A Humanidade de Lara Croft | PARTE X: Realismos e coerências
Guia da série: Parte I - Parte II - Parte III - Parte IV - Parte V - Parte VI - Parte VII - Parte VIII - Parte IX - Parte X
Vamos falar do realismo dos jogos. A princípio, não acharia necessário abordar este assunto. Entretanto, recordei-me dos inúmeros comentários de fãs que associam o conceito de uma "Lara mais humana" à ideia de uma Lara "realista e coerente". Por isso, considerei o tema pertinente nesta série sobre a humanidade de Lara Croft, e decidi dedicar-lhe um capítulo.
Inicialmente, podemos avaliar o realismo de um jogo em relação aos seus gráficos. Mas não falarei sobre isso, pois é óbvio que, quanto mais recente um jogo, melhores os gráficos, e o assunto estaria encerrado. Discutirei outros aspectos realísticos de Tomb Raider.
Vamos falar do realismo dos jogos. A princípio, não acharia necessário abordar este assunto. Entretanto, recordei-me dos inúmeros comentários de fãs que associam o conceito de uma "Lara mais humana" à ideia de uma Lara "realista e coerente". Por isso, considerei o tema pertinente nesta série sobre a humanidade de Lara Croft, e decidi dedicar-lhe um capítulo.
Inicialmente, podemos avaliar o realismo de um jogo em relação aos seus gráficos. Mas não falarei sobre isso, pois é óbvio que, quanto mais recente um jogo, melhores os gráficos, e o assunto estaria encerrado. Discutirei outros aspectos realísticos de Tomb Raider.
"Essa nova Lara é uma personagem mais prática, uma personagem mais real" - Camilla Luddington |
Este comentário surgiu no contexto do marketing de Rise of the Tomb Raider, quando a dubladora de Lara Croft, Camilla Luddington, reforçava que sua personagem tinha proporções corporais mais realistas, bem como roupas mais adequadas para suas aventuras.
Camilla Luddington é a voz de Lara em Tomb Raider (2013), Rise of the Tomb Raider e Shadow of the Tomb Raider. Também executou a captura de movimentos da personagem. |
Camilla estava certa, mas sua declaração se referia exclusivamente a um único elemento dos games: o modelo tridimensional de Lara, que tornou a personagem mais prática no reboot. Mas e quanto aos outros elementos dos jogos? A Lara de Camilla é "mais prática" e "mais real" em tudo? Ora, a avaliação da personagem como um todo não se limita à discussão sobre peças de roupa e dotes físicos.
Já que Camilla tocou no assunto, vamos, então, fazer uma brincadeira, uma análise da franquia em relação à quantidade de realismo e coerência da própria Lady Croft. (Lembrando que o realismo não tem necessariamente uma relação com a qualidade do jogo, e nem com a diversão que ele proporciona, então fique tranquilo!)
1. Roupas adequadas
1. Roupas adequadas
Na disputa pelo realismo das roupas, Tomb Raider (2013) e Rise of the Tomb Raider ganham dos demais jogos, pois Lara está protegida contra arranhões através do uso exclusivo de calças, embora haja alguns absurdos, como o uso de um crânio de animal encaixado na cabeça cobrindo parte da visão. Shadow of the Tomb Raider eventualmente peca no vestuário, pois contém pesados trajes tribais, alguns com chinelos de dedo, saias que limitam o movimento e objetos inúteis pendurados, como ossos, cordas, pedaços de pau, etc., que absolutamente ninguém escolheria para fazer parkour. Em último lugar, fica Tomb Raider Legend, por apresentar as roupas mais curtas e desprotegidas de Lara.
Curiosidade: nos jogos da Core design (TR1 a TR6), exatamente metade dos trajes de Lara apresentam a personagem de shorts ou outras roupas que mostram suas pernas. Não há biquínis nesses jogos.
2. Resistência a quedas
No quesito "resistência a quedas", Tomb Raider Underworld é, de longe, o mais realista: qualquer "alturinha" é suficiente para machucar ou matar a pobre coitada da Lara no impacto com o chão. Os menos realistas são os jogos da trilogia reboot, seguido dos jogos clássicos (TR1 a TR5). A sensação de que você precisa proteger a Lara contra alturas se perdeu desde o jogo de 2013. Dá para jogar a arqueóloga de exagerados barrancos tranquilamente, despreocupado com as consequências físicas da queda.
Alguns trajes de Lara em Rise of the Tomb Raider |
Curiosidade: nos jogos da Core design (TR1 a TR6), exatamente metade dos trajes de Lara apresentam a personagem de shorts ou outras roupas que mostram suas pernas. Não há biquínis nesses jogos.
2. Resistência a quedas
No quesito "resistência a quedas", Tomb Raider Underworld é, de longe, o mais realista: qualquer "alturinha" é suficiente para machucar ou matar a pobre coitada da Lara no impacto com o chão. Os menos realistas são os jogos da trilogia reboot, seguido dos jogos clássicos (TR1 a TR5). A sensação de que você precisa proteger a Lara contra alturas se perdeu desde o jogo de 2013. Dá para jogar a arqueóloga de exagerados barrancos tranquilamente, despreocupado com as consequências físicas da queda.
3. Armamento adequado
No quesito "armamento adequado", todos os jogos são relativamente coerentes, exceto Rise of the Tomb Raider e Shadow of the Tomb Raider, pelo fato de Lara utilizar armas primitivas como granadas improvisadas e arco-e-flecha. Lara sabia que teria que enfrentar os homens armados da Trindade, mas mesmo assim escolhe sair de casa com um arco-e-flecha de madeira. A aquisição da arma como marca da personagem vai totalmente na contramão da proposta de realismo reforçada por Camilla Luddington, pois enfrentar um exército utilizando arco-e-flecha não tem o menor sentido lógico, além do fato de arma ser grande e "desengonçada" demais para as atividades de escalada da arqueóloga. Evidentemente, no jogo de 2013, armamentos improvisados foram justificados, uma vez que Lara não tinha outros recursos disponíveis.
4. Resistência física de Lara
No quesito "cenas absurdas", Tomb Raider (2013) perde para os demais. Lara sobrevive a eventos catastróficos exageradamente mentirosos, muito mais do que nos outros jogos. Nenhuma personagem da ficção tem mais sorte que ela: a todo momento elementos do cenário, como cordas, plataformas e lagos surgem convenientemente para livrá-la da fatalidade. A Lara do jogo de 2013 é a mais "estatisticamente improvável", e sua resistência física é a mais surreal da franquia.
5. A física dos pulos
5. A física dos pulos
Nos jogos da Core Design (Tomb Raider 1 até angel of darkness), a distância que Lara alcança com um salto depende de quanto impulso ela dá. Se Croft tomar distância, correr e saltar, ela chega mais longe. Entretanto, na trilogia "LAU" (Legend, Anniversary e Underworld), Lara sempre pula com força total, não importa se tomou impulso ou se partiu do completo repouso. A trilogia reboot também contém essa incoerência, mas com um agravante: a jogabilidade eventualmente inclui "forças mágicas" que empurram Lara em pleno ar para que o salto seja bem-sucedido. Nem tudo evolui com o tempo, afinal.
Lara correndo o mais rápido possível para saltar mais longe. Jogo: Tomb Raider the angel of darkness. |
Em contrapartida, nos jogos clássicos, Lara pula alto demais para um ser humano normal, mas isso foi "melhorado" na trilogia LAU, e mantido na trilogia reboot. Entretanto, no reboot há a incoerência de que Lara consegue mudar drasticamente sua direção em pleno ar. Mais uma vez, nem tudo evolui com o tempo.
6. Equipamentos adequados
Lara costuma utilizar luvas que a ajudam a escalar nos jogos até Tomb Raider Underworld, e adquiriu convenientes machados de escalada a partir de 2013. Entretanto, os recursos de Lara em Rise e Shadow são bastante rudimentares, mesmo que a arqueóloga tenha a opção de adquirir equipamentos modernos. Lara parece mais uma aventureira do Discovery Channel que se mete numa selva propositalmente sem recursos, somente para mostrar que sabe sobreviver comendo frutas, usando remédios naturais e equipamentos improvisados. A cada jogo, Lara precisa reaprender o que já aprendeu no jogo anterior. Talvez esta seja a incoerência mais marcante da trilogia reboot.
Por que usar uma corda amarrada manualmente a uma flecha artesanal improvisada, quando se pode ter um equipamento mais moderno? |
Lara sempre carregou mais objetos do que cabiam em sua mochila. Inclusive armas. No entanto, Tomb Raider Legend e Tomb Raider Underworld têm um detalhe que os tornam mais coerentes que os outros: Lady Croft apenas consegue carregar uma pistola em cada coldre e mais uma arma nas costas. Nos outros jogos, Lara tem "bolsas mágicas" que permitem que leve uma quantidade exagerada de armas de grande porte. Outro detalhe é que a maioria dos jogos traz as pistolas com munição infinita — o que não é nada realista — com exceção dos jogos da trilogia reboot e de Tomb Raider angel of darkness.
8. A força de Lara Croft
Lara arrasta blocos de pedra gigantescos nos três primeiros jogos da franquia. Mas a partir de Tomb Raider The Last Revelation, a força da arqueóloga é mais realista, pois os objetos interativos têm tamanho razoável.
Cena do primeiro Tomb Raider, de 1996. |
Na trilogia reboot, entretanto, a força de Lara volta a atingir patamares descomunais, pois a aventureira destrói grandes barreiras de madeira com o vigor de seus braços. Inclusive, Croft consegue arrebentar estruturas de concreto e aço com as próprias mãos, através do uso fisicamente impossível de um aparelho de tração. Lara também puxa outros objetos estupidamente pesados com este aparelho.
Ao usar o equipamento, Lara deveria ser arremessada para frente, e não destruir a robusta estrutura de concreto e aço. |
9. Um detalhe especial
Lara está mais musculosa em Tomb Raider Underworld e em Shadow of the Tomb Raider, ao contrário de todos os outros jogos, que a representaram como a garota "forte, porém franzina". Lara Croft é forte e treina bastante, então tem que ter massa muscular!
Músculos! Chupa, sociedade. |
Comentários gerais
Não dá para falar de todos os detalhes. Se fosse avaliar os jogos em tudo, todos seriam eminentemente "reprovados". Mas para que servem todas essas comparações sobre realismo? Para absolutamente nada. São inúteis tanto quanto o comentário de Camilla Luddington. Às vezes, os elementos irrealistas dos jogos são justamente o que os torna mais divertidos e até autênticos, e nossa suspensão de descrença aceita sem problemas.
Se você tem presença constante no fandom, pode ter percebido que os jogos da trilogia reboot já foram bastante associados a obras mais "realistas" e "coerentes", em comparação aos seus anteriores. Mas esta não é a conclusão deste texto — observe que o reboot "perdeu" na maioria dos aspectos de realismo avaliados (e é claro isso não significa nada na quantidade de diversão). Ora, se você somente avaliava os jogos por meio dos gráficos e de peças de roupa, então este texto foi de alguma utilidade, afinal de contas.
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Muito obrigado por ter acompanhado esta série. Fique à vontade para comentar, dar sua opinião e fazer críticas construtivas. Lembremo-nos de que o respeito pelo próximo deve estar acima de meros jogos de videogames.
Um grande abraço a todos os fãs, independentemente da Era!
Matheus Philippe e Anderson Grima
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