A Humanidade de Lara Croft | PARTE VIII: Raízes sem ressentimentos

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Tomb Raider: A Origem

Em 2018, Lara Croft foi às telonas interpretada pela atriz recém premiada pelo Oscar Alicia Vikander. Tomb Raider A Origem foi inspirado no jogo de 2013, e teve a mesma proposta: apresentar a primeira aventura da jovem e inexperiente Lara Croft. Antes de começar, quero reforçar que esta não é uma análise do filme em si. Não comentarei sobre roteiro, qualidade das cenas, motivação de personagens, etc., mas tão somente sobre a construção da personalidade da protagonista em comparação com as demais versões de Lara Croft dos videogames.

Em plena era reboot, para a surpresa de todos, Vikander encarnou uma Lara mais próxima da arqueóloga clássica da década de noventa, e mais distante da Lara rebootada, em termos de personalidade. Ela ainda estava inexperiente como se esperava de uma história de origem — precisava comer muito feijão para se tornar a saqueadora de tumbas propriamente dita — mas possuía trejeitos de arrogância e sarcasmo. Cuidado com ela: a garota gosta de violência e luta.


Aliás, Lara perdeu feio essa luta, mas mesmo assim não deixou de esnobar a vencedora (sem que ela visse, claro).

"Da próxima vez eu te pego, vou arrebentar você", diz Lara em tom de deboche para a vencedora da luta, que convenientemente estava em outra sala e não pôde ouvir.

Houve uma diferença essencial nesta história de origem para a história do jogo de 2013. A Lara de Vikander pareceu uma reimaginação mais fiel da personagem original da Core Design. O reboot, em compensação, exigiu que esquecêssemos características primordiais da Lara Croft original, como sua personalidade naturalmente arrogante e debochada. Se você nunca tivesse conhecido o reboot e tentasse imaginar como seria Lara Croft antes de se tornar a intrépida saqueadora de tumbas, provavelmente pensaria numa moça muito mais próxima de Alícia do que da Lara de 2013.

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A existência do filme Tomb Raider: A Origem foi útil para demonstrar uma realidade óbvia: sarcasmo existe, e não torna ninguém "inumano". A protagonista do jogo de 2013 foi uma personagem bastante humana e bem construída, mas a ausência de uma personalidade debochada não contribuiu em nada para isso. A Lara de Vikander, por exemplo, é inexperiente, inocente, insegura e ao mesmo tempo possui nuances de sarcasmo e arrogância. Ainda não tem aquela personalidade forte, mas dá para imaginar que ela está no caminho.

Em outras palavras, enquanto Alícia pareceu ser uma adaptação da Lara Croft original, a Lara de 2013 pareceu ser simplesmente outra pessoa. É mais difícil imaginar que ela se tornará aquela saqueadora de tumbas, se, inteiramente, falta-lhe aquilo que é o mais elementar na icônica personagem: a essência de sua personalidade.

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Angelina Jolie também conseguiu representar a personalidade forte de Lara Croft nos filmes.

Mas não escrevo isso para desmerecê-la, a menos que você considere um insulto dizer que alguém é diferente da Lara Croft original. Encare como uma simples comparação, que é justamente a proposta deste texto. A Lara de 2013 tem seu valor, e conquistou um determinado público de gamers, mas o distanciamento de sua personalidade em relação à Lara clássica ocorreu não como uma necessidade para torná-la mais "humana", mas por mera vontade da equipe da Crystal Dynamics. Tomb Raider A Origem está aí para provar isso.


Além da personalidade da Lara original, outros elementos que fazem parte da história de Lady Croft foram, sem ressentimentos, abordados no filme, como sua trança e a aquisição das pistolas duplas. Inclusive, Lara passou bastante tempo dentro da Tumba de Himiko, enfrentando armadilhas e solucionando quebra-cabeças numa atmosfera mais "Tomb Raider" do que o jogo de 2013 inteiro. Embora a biografia clássica de Lara Croft se difira bastante da história do filme, Tomb Raider A Origem foi uma reimaginação que não se acanhou em representar nuances importantes da personagem, ao contrário do jogo de 2013, que escondeu tudo em pequenas cenas opcionais e meros Easter Eggs.

Quem é Lara Croft?

Antes do reboot de 2013, a resposta para essa pergunta era até fácil de ser respondida: Lara Croft não é qualquer pessoa, mas tem características específicas que a definem e que a tornam reconhecível. Quem gosta de Lady Croft não gosta somente pelo nome, mas porque sustenta determinada admiração ou prazer em presenciar as atitudes da personagem tal como ela é. Embora Lara tenha sido reimaginada no reboot de 2006, ainda se podia encontrar nela a essência da personagem original. Ao contrário do que já presenciei alguns "fãs" comentando por aí, essa essência não se resume a uma peça de roupa ou ao par de seios invejáveis de Angelina Jolie — tal comentário apenas demonstra desconhecimento sobre a franquia, e facilmente denuncia "fãs" que nunca jogaram mais que duas fases de qualquer jogo clássico. Todas as nuances da personalidade de Lara Croft, todos os conflitos pessoais que ela vivenciou, suas limitações físicas, seus trejeitos, seus valores morais e sentimentos, toda a riqueza de detalhes da sua história de origem, apresentada tanto nos jogos quanto nos livros canônicos (ou você achava que o reboot era exclusivo em mostrar as origens da personagem?), tornavam Lara Croft uma personagem completa.

Em 2013, a resposta para a pergunta "Quem é Lara Croft?" se perdeu. Lara Croft passou a poder ser qualquer mulher a quem os proprietários dos direitos autorais de Tomb Raider quiserem dar-lhe este nome. Toda aquela personalidade única foi, por algum motivo, veementemente rejeitada. Alguns sustentaram a desculpa de que isso era necessário para tornar a personagem mais "humana" — argumento contestado de todas as maneiras possíveis nesta série. Ironicamente, a mudança radical na personalidade da Croft acabou por torná-la menos humana em Rise of the Tomb Raider: Lara arriscou sua vida para conseguir objetos arqueológicos, mas não pareceu nem um pouco animada com o que fez. Não suspirou, não se surpreendeu, quase não teve nuances de personalidade além de seu estado enfadonho constante (excetuando-se momentos iniciais do jogo, como já foi comentado). Ora, qualquer pessoa disposta a arriscar sua vida para conseguir algo deveria ser, no mínimo, completamente apaixonada pelo que procura; caso contrário, não se submeteria a tamanho risco.

A Lara Croft que eu conhecia era perdidamente apaixonada, e era justamente isso que a tornava humana.


Clique aqui para ler a Parte IX desta série.


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