A Humanidade de Lara Croft | PARTE VII: Uma nova origem
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Tomb Raider (2013)
Rise of the Tomb Raider (2015)
Não importa se acabou de sobreviver a uma catástrofe, ou se foi surpreendida por um exército, ou se recebeu uma descarga de adrenalina após um emocionante tiroteio, Lara não se empolgava, não se apavorava, não sentia raiva, nem mesmo esboçava firmeza. Ainda que, em poucas ocasiões, ela começasse a engatar alguma empolgação, imediatamente recuava e voltava ao seu estado enfadonho constante. Ela quase nunca se alterava, excetuando-se pouquíssimos momentos em que alguém blasfemava o nome de seu pai.
Darei alguns exemplos das reações de Lady Croft. Esta foi sua expressão após ser agredida e quase morta por um intruso:
Depois de ser surpreendida por alguém que aponta uma arma para ela:
Ou rendida por uma dezena de homens armados e um helicóptero:
Esta é Lara imediatamente depois de sobreviver a um emocionante desmoronamento de grande escala:
Ou quando foi rendida por nativos de uma aldeia da Sibéria:
Quando presencia os homens da Trindade matando inocentes:
Esta é sua expressão enquanto observa uma guerra acontecendo na sua frente:
Quando rende Ana, traidora de sua família:
Quando presencia um exército de guerreiros atirando flechas contra ela:
Quando vê seu melhor amigo apontando uma arma para seu arqui-inimigo (sim, ela lhe pediu para atirar com essa mesma expressão):
Imediatamente após sobreviver a uma mega-explosão no alto de um templo (estando ainda pendurada em grande altura e rodeada de inimigos):
Não cabem aqui todas as cenas do jogo, acho que já dei exemplos o suficiente. É bastante irônico que, enquanto a Lara da década de 90 não mudava sua expressão facial por falta de tecnologia, em Rise of the Tomb Raider, ela não mudou... porque a equipe da Crystal Dynamics não quis. Lara não teve picos de emoção. Ela foi séria e constante, ainda que tivesse acabado de sobreviver ao desmoronamento de um prédio inteiro. Nada parecia ser capaz de animá-la um pouco. "Uau, nossa, não acredito que sobrevivi a isso!" — ela nunca disse.
Como estamos falando da humanidade de Lara Croft, convido o leitor a se perguntar: Que tipo de ser humano esboça a mesma reação para absolutamente tudo? Quem é que não sentiria raiva, extrema empolgação e até algumas pitadas de autoconfiança durante os emocionantes eventos da aventura de Rise of the Tomb Raider? Como é possível existir alguém como esta Lara, que assassina exércitos a sangue frio, sobrevive a incríveis catástrofes, ao mesmo tempo em que mantém uma expressão de seriedade e tédio?
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Tomb Raider (2013)
Em 2013, foi lançado o segundo reboot da franquia. Dessa vez, o principal marketing do jogo era trazer uma Lara completamente humana, numa história de origem. O resultado foi, como se propôs, uma moça jovem e inexperiente, cujas ações fizeram bastante sentido dentro do contexto do jogo. Lara tinha novos amigos e um exagerado senso de responsabilidade. Não era a Lara Croft como a conhecíamos — poderíamos supor que se tornaria? Presenciamos desde Lara matando pela primeira vez, até o clímax de percebê-la berrando em meio ao tiroteio: "É isso mesmo, seus bastardos, ainda estou viva! Vou atrás de todos vocês!". Tomb Raider é um jogo especialmente emocionante.
Vamos relembrar momentos intensos de Lara: ela levou tombos, foi apunhalada pelas costas, foi presa, frustrou-se, embarcou em viagens inesperadas e difíceis (e quase morreu por isso), por vezes precisou sair correndo para alcançar seus objetivos (mas nem sempre chegava a tempo), ajudou pessoas feridas, surpreendeu-se, matou muito homens friamente, etc. Pensou que eu estava falando do reboot de 2013? Enganou-se! Eu acabei de descrever os perrengues de Lara em Tomb Raider 2 (1997). Peguei você, caro leitor, você caiu direitinho. Mas, claro, o reboot também foi um jogo incrível, e com ele as coisas não foram diferentes: Lara também levou tombos e teve momentos de grande afeto. Ela foi representada como uma personagem humana: no meio de sua aventura, suplicou que estava cansada, e que precisava de um momento para retomar as forças. Ela até chegou aos seus limites, quando a presenciamos mancando escorada em uma parede. Enganei você de novo: estou falando das cenas de Tomb Raider The Last Revelation (1999).
Com essas "pegadinhas", é evidente a reflexão: Lara realmente foi uma personagem muito bem construída no reboot de 2013, mas isso não desumaniza suas versões anteriores — aliás, nesse ponto os jogos mais antigos merecem uma colher de chá pela sua imensa limitação tecnológica. Admitamos que Croft passou por momentos traumatizantes demais na sua história de origem, e isso levou nossa amada arqueóloga aos seus limites, tornando o jogo uma experiência intensa e emocionante do início ao fim. Mas ser humano é característica exclusiva de pessoas traumatizadas? Lady Croft só será humana se for inserida num roteiro de agonia e sofrimento extremos?
Ora, a Lara atual e a clássica são diferentes no seguinte aspecto: uma é bastante experiente, lida bem com tragédias, e a outra não. Mas elas são iguais em outro: ambas erram, se frustram, caem, são rendidas. Evidentemente, uma muito mais que a outra. Ambas também cultivam amizades e se arriscam para protegê-las. Claro que existem diferenças entre "as duas Laras" provenientes da natural reimaginação de um reboot, mas isso será discutido depois.
Ademais, Tomb Raider (2013) tratou-se de uma experiência diferenciada na franquia, justamente pela quantidade de sofrimento que Lara passa devido à trama do jogo. A inexperiente Lara Croft chorou, foi espancada, sofreu tentativas de abuso sexual, viu seus amigos morrerem um a um e chegou a um extremo de desespero. Embora fosse muito diferente da Lara clássica, apresentou algumas nuances de personalidade compatíveis com sua falta de experiência.
Ora, a Lara atual e a clássica são diferentes no seguinte aspecto: uma é bastante experiente, lida bem com tragédias, e a outra não. Mas elas são iguais em outro: ambas erram, se frustram, caem, são rendidas. Evidentemente, uma muito mais que a outra. Ambas também cultivam amizades e se arriscam para protegê-las. Claro que existem diferenças entre "as duas Laras" provenientes da natural reimaginação de um reboot, mas isso será discutido depois.
Ademais, Tomb Raider (2013) tratou-se de uma experiência diferenciada na franquia, justamente pela quantidade de sofrimento que Lara passa devido à trama do jogo. A inexperiente Lara Croft chorou, foi espancada, sofreu tentativas de abuso sexual, viu seus amigos morrerem um a um e chegou a um extremo de desespero. Embora fosse muito diferente da Lara clássica, apresentou algumas nuances de personalidade compatíveis com sua falta de experiência.
Rise of the Tomb Raider (2015)
Na sequência do reboot, era de se esperar pelo menos um pouco de autoconfiança da Saqueadora de Tumbas. Croft partiu em uma aventura na Sibéria em busca da cidade perdida, disposta a provar para o mundo que seu pai estava certo.
Embora suas motivações não fossem inteiramente suas — mas de seu falecido pai — Lara estava animada, como se espera de alguém que seja louco o suficiente para sair do conforto de uma vida de luxo atrás de qualquer coisa em um local tão ameaçador — e quem não ama as loucuras de Lady Croft? Estávamos presenciando a Saqueadora de Tumbas numa aventura que ela mesmo planejara. Ela queria estar ali, arriscando sua própria vida. A cada precipício perigosamente escalado, seus olhos brilhavam fitando o horizonte, e sua expressão misturava entusiasmo e surpresa, mas também uma certa insegurança — estaria pensando em seu pai, talvez?
Croft começou a demonstrar mais nuances de personalidade. Um pequeno momento de autoconfiança na fase da Síria presenteou o jogador com um ato ousado e astucioso de Lara Croft. Ainda parecia haver alguma insegurança nas suas expressões faciais e corporais, mas tudo bem, a essa altura ainda não podíamos exigir tanto dela. Ela estava tentando.
Infelizmente, as sutilezas da personalidade de Lara duraram apenas breves minutos de gameplay. Após seu incidente com a avalanche no início da história, Croft passou a reagir a todos os eventos do restante do jogo precisamente da mesma maneira. Assim:
Embora suas motivações não fossem inteiramente suas — mas de seu falecido pai — Lara estava animada, como se espera de alguém que seja louco o suficiente para sair do conforto de uma vida de luxo atrás de qualquer coisa em um local tão ameaçador — e quem não ama as loucuras de Lady Croft? Estávamos presenciando a Saqueadora de Tumbas numa aventura que ela mesmo planejara. Ela queria estar ali, arriscando sua própria vida. A cada precipício perigosamente escalado, seus olhos brilhavam fitando o horizonte, e sua expressão misturava entusiasmo e surpresa, mas também uma certa insegurança — estaria pensando em seu pai, talvez?
Croft começou a demonstrar mais nuances de personalidade. Um pequeno momento de autoconfiança na fase da Síria presenteou o jogador com um ato ousado e astucioso de Lara Croft. Ainda parecia haver alguma insegurança nas suas expressões faciais e corporais, mas tudo bem, a essa altura ainda não podíamos exigir tanto dela. Ela estava tentando.
Lara deu sua cara a tapa, e usou sua inteligência para escapar viva de um grupo de homens altamente armados. |
Não importa se acabou de sobreviver a uma catástrofe, ou se foi surpreendida por um exército, ou se recebeu uma descarga de adrenalina após um emocionante tiroteio, Lara não se empolgava, não se apavorava, não sentia raiva, nem mesmo esboçava firmeza. Ainda que, em poucas ocasiões, ela começasse a engatar alguma empolgação, imediatamente recuava e voltava ao seu estado enfadonho constante. Ela quase nunca se alterava, excetuando-se pouquíssimos momentos em que alguém blasfemava o nome de seu pai.
Darei alguns exemplos das reações de Lady Croft. Esta foi sua expressão após ser agredida e quase morta por um intruso:
"Larga o livro!" |
Ou rendida por uma dezena de homens armados e um helicóptero:
Esta é Lara imediatamente depois de sobreviver a um emocionante desmoronamento de grande escala:
Ou quando foi rendida por nativos de uma aldeia da Sibéria:
Esta é sua expressão enquanto observa uma guerra acontecendo na sua frente:
Quando rende Ana, traidora de sua família:
Quando presencia um exército de guerreiros atirando flechas contra ela:
Quando vê seu melhor amigo apontando uma arma para seu arqui-inimigo (sim, ela lhe pediu para atirar com essa mesma expressão):
Imediatamente após sobreviver a uma mega-explosão no alto de um templo (estando ainda pendurada em grande altura e rodeada de inimigos):
Até mesmo a intrépida Lara Croft de Tomb Raider Underworld precisou recuperar o fôlego após o ataque do polvo gigante. Entretanto, onde estão as facetas da aventureira em Rise? |
Não cabem aqui todas as cenas do jogo, acho que já dei exemplos o suficiente. É bastante irônico que, enquanto a Lara da década de 90 não mudava sua expressão facial por falta de tecnologia, em Rise of the Tomb Raider, ela não mudou... porque a equipe da Crystal Dynamics não quis. Lara não teve picos de emoção. Ela foi séria e constante, ainda que tivesse acabado de sobreviver ao desmoronamento de um prédio inteiro. Nada parecia ser capaz de animá-la um pouco. "Uau, nossa, não acredito que sobrevivi a isso!" — ela nunca disse.
Como estamos falando da humanidade de Lara Croft, convido o leitor a se perguntar: Que tipo de ser humano esboça a mesma reação para absolutamente tudo? Quem é que não sentiria raiva, extrema empolgação e até algumas pitadas de autoconfiança durante os emocionantes eventos da aventura de Rise of the Tomb Raider? Como é possível existir alguém como esta Lara, que assassina exércitos a sangue frio, sobrevive a incríveis catástrofes, ao mesmo tempo em que mantém uma expressão de seriedade e tédio?
Clique aqui para ler a próxima parte da série.
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