A Humanidade de Lara Croft | PARTE III: A queda de uma anti-heroína

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Tomb Raider 4: The Last Revelation (1999)
Nota: Se desejar, assista às cinemáticas do jogo legendadas aqui

O quarto jogo da franquia se diferiu dos três primeiros porque trouxe mais camadas pessoais à saqueadora de tumbas, ao apresentar uma experiência traumática de sua adolescência. The Last Revelation convidou o jogador a conhecer uma parte das origens da personagem.

O enredo mostrou a convivência de Lara com seu mentor Werner Von Croy, que lhe ensinara algumas habilidades, como também lições sobre... saquear objetos de alto valor arqueológico. Tragicamente, aos 16 anos, Lara presenciou Von Croy cair em uma armadilha no Templo de Camboja. Foi um momento de aflição para a inexperiente aprendiz, que precisou lidar com a perda de seu professor.

"Werner!", exprime a aprendiz, afilta. O modelo jogável de Lara em TR4 ainda não tinha expressões faciais, mas, dessa vez, sua boca se "mexia".
Na sequência da história, a destemida aventureira, já adulta, invadiu a Tumba de Seth e saqueou um artefato chamado "Amuleto de Hórus". Nada novo sob o sol.


Lara, então, visitou um amigo, o arqueólogo Jean-Yves, que lhe deu informações sobre o tal artefato. Croft estava feliz em vê-lo, parecia ser um amigo de longa data. A conversa entre eles e o clima de respeito mútuo demonstraram o lado amável da aventureira.

"Jean-Yves, my faithful friend!" ("Jean-Yves, meu fiel amigo!"), disse Lara ao abraçar Jean-Yves, por quem tinha muito apreço.
O arqueólogo contou que o artefato que Lara roubara era, na verdade, uma chave usada há 5 mil anos para aprisionar Seth, o deus egípcio da morte. Com a chave removida, Lara tinha acabado de libertar a indecorosa deidade, iniciando uma sequência de maldições que mergulharia o mundo em trevas. Lara, evidentemente, reagiu com perplexidade e culpa.

Reação de Lara ao descobrir que libertara Seth, o deus da morte  a madame achou que podia fazer o que bem quisesse sem sofrer as consequências?
Os sentimentos de Lara em Tomb Raider The Last Revelation são mais intensos que nos jogos anteriores, não somente pela evolução tecnológica — suas expressões nas FMV's eram menos "caricatas" — mas também pelas situações que ela vivenciou. Lara precisou correr contra o tempo para consertar o erro (a grande cagada) que tinha cometido. Inclusive, teve que lidar com o retorno de seu antigo mentor, Werner Von Croy, que surpreendentemente estava vivo e bastante ressentido. As cenas dos encontros entre os dois eram sempre tensas. Digamos que o sarcasmo de Von Croy juntamente com a falta de paciência de Lara nunca resultava em uma combinação pacífica.

Lara teve uma personalidade bem trabalhada neste jogo. A corrida contra o tempo para salvar o mundo do Apocalipse colocou a anti-heroína sob pressão, e revelou seu senso de responsabilidade. Exausta, ela chegou a pedir a seu amigo um breve momento de descanso, mas ele reforçou que o mundo seria dizimado caso ela não agisse imediatamente.

"Está na hora de colocar as coisas no lugar, e tirar essa pedra do meu sapato".
Como se não bastassem todos os problemas, Von Croy se apossou do amuleto de Hórus e se tornou receptáculo do próprio deus da morte. Tão estúpido quanto nunca, ele sequestrou Jean-Yves para chantagear Lara, que recebeu a notícia com surpresa, aflição e raiva.

Lara após receber a notícia de que Jean-Yves fora raptado por Von Croy.
A reação de Lara foi sair correndo para resgatar o amigo, sem pensar. A preocupação da arqueóloga com a integridade de seu colega de profissão revela um lado da personagem profundamente afetuoso.

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Outro momento que denunciou a empatia de Lara foi sua reação ao encontrar um soldado ferido na região do Cairo. Ela demonstrou compaixão e também recebeu ajuda para cumprir seus objetivos.


Lara também ajudou um homem que estava sendo atacado por um escorpião de uns três metros de largura — aliás, no momento do ataque, houve a opção de não salvá-lo, a decisão é do jogador. Mais tarde, outros escorpiões apareceram atacando pessoas no local, e Croft pôde escolher entre ajudá-las ou não. Aqui, mais uma vez, as atitudes da protagonista não dependeram de um roteiro prévio, mas da decisão do jogador. De qualquer modo, toda essa situação era culpa de Lara, e a responsabilidade pesou sobre ela.

Lara salvou o homem de um ataque.
O objetivo da arqueóloga foi atingido quando ela conseguiu libertar o deus Hórus, único ser capaz de aprisionar Seth de volta para dentro da pirâmide, usando o Amuleto. A cena final do jogo mostrou Lara exausta saindo da pirâmide, escorada, a passos lentos e mancando. Ela reencontrou seu mentor, que dessa vez ofereceu-lhe ajuda, pois tinha sido liberto da possessão de Seth. Lara chegou ao seu limite.


Não posso deixar de lembrar ao leitor que esta Lara já foi estigmatizada como uma mulher "perfeita e infalível". Ora, a destemida arqueóloga terminou esse arco soterrada, e foi dada como morta.

Curiosidade: Alguns avanços tecnológicos foram notáveis em Tomb Raider The Last Revelation. Além dos gráficos naturalmente melhores que o jogo anterior, a mira de Lara, que era automática, deixou de ser "perfeita". É certo que, desde o primeiro jogo da franquia, Lara nunca conseguia mirar em um adversário muito distante. Mas em Tomb Raider 4 um detalhe sutil foi acrescentado: quando Croft tentava acertar algum inimigo suficientemente pequeno e/ou distante, ela errava vários tiros. Era possível observar isso porque os tiros bem-sucedidos resultavam em esguichos de sangue, e os mal-sucedidos em faíscas amarelas decorrentes do impacto das balas contra a parede. Essa pitada de realismo conferida ao jogo tornou as coisas mais interessantes, e evidentemente reforçou o fato de que Lara tinha limitações como qualquer ser humano  mas somente em TR4 a tecnologia possibilitou essa representação.


Tomb Raider 5: Chronicles (2000)
Nota: Se desejar, assista às cinemáticas do jogo legendadas aqui.

O quinto jogo da franquia começou no velório de Lara Croft, momento em que os amigos da desaparecida arqueóloga se reuniram para relembrar algumas de suas aventuras. Chronicles foi um jogo mais light para a nossa aventureira, no sentido de que não a submeteu a tantas pressões emocionais como no jogo anterior. No entanto, o enredo constantemente reforçou sua personalidade forte.

Vamos começar com um clássico momento estabanado da Lady — estava sentindo falta das videocassetadas, caro leitor?

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Tomb Raider Chronicles foi um ótimo jogo para reforçar as motivações de Lara. Em uma aventura na Rússia, ela foi atrás de um artefato denominado "lança bíblica", e sua reação ao saber que o tal item estava em um navio naufragado no fundo do mar foi a melhor possível:

"Muito bem, submarino nuclear. Parece legal, feriado perfeito!", Lara comenta com seu amigo, após descobrir que roubar o artefato seria mais difícil do que se pensava.
Um close para o traje:

Lara no ambiente nevado da Rússia, usando um traje especialmente eficiente para se proteger do frio.
Por causa do uso inadequado do tal artefato nas mãos de um idiota do comandante Sergei, ocorreu uma explosão no submarino em que Lara estava, e ela se viu obrigada a sair dali antes que fosse tarde. Embora tivesse pouco tempo para se salvar, Lara se compadeceu de seu inimigo, o russo Yarofev, que seguia ordens do comandante. Após vê-lo escorado sem esperanças, diante de todas as tragédias que haviam acontecido com seu precioso submarino, Croft lhe ofereceu ajuda.


A arqueóloga o pegou pelos ombros e o sacudiu, tentando convencê-lo de que nem tudo estava perdido. O diálogo entre eles revelou, mais uma vez, que Lara era capaz de sentir compaixão diante de tamanho sofrimento, mesmo se tratando de um adversário:

 Sabia que o velho Sergei daria fim a tudo. (...) Estamos todos condenados!  lamentou Yarofev, com profunda tristeza.
 Nós temos uma chance! A cápsula de escapamento! Vamos, eu te ajudarei!  Lara o rebateu.
 Eu faço isso para alimentar minha família (...). E agora isso, corpos deixados para os peixes!
 Yarofev, eu posso ajudar, mas você tem que me ajudar também! O navio irá atingir o fundo do oceano, e então nosso tempo terá acabado!

Lara rondou o submarino novamente para coletar cápsulas de oxigênio, e retornou para o pobre homem, na tentativa de salvá-lo junto com ela:

 Com o oxigênio você escapa! Vai agora!  insistiu o russo, quando vê que Lara conseguiu as cápsulas.
 Não sem você!  disse Lara, determinada.

Embora Lara tenha tentado salvá-lo, o desvalido russo estava destruído emocionalmente. Desamparado, considerava seu submarino tão importante quanto sua vida, e pediu para morrer em paz. Lara infelizmente não pôde salvá-lo, mas fez-lhe uma promessa de honra, como um último pedido. Assista à cinemática legendada.


Lara Croft não é uma heroína, não é uma vilã, tampouco uma psicopata. Suas atitudes a caracterizam como uma anti-heroína: ela faz o que for preciso para alcançar seus objetivos. Utilizando suas habilidades e armas, enfrenta qualquer um que ousar atacá-la, mas tem seus momentos de empatia e compaixão. Suas experiências com mortes e tragédias a moldaram como uma pessoa fria, que dificilmente se surpreende. Lara é uma mulher que gosta de viver a vida aos extremos. A arqueologia, para ela, não é uma profissão, é um estilo de vida.

A última cena de Tomb Raider Chronicles mostrou Von Croy e sua equipe em sua incessante procura pelo paradeiro de Lara em meio aos destroços da pirâmide. Estaria viva ou morta? Eles precisavam saber. No último instante, um dos homens encontrou a mochila de Lara, mas não o seu corpo.

Clique aqui para ler a Parte IV.


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