A Humanidade de Lara Croft

Esta é a série de capítulos sobre a humanidade de Lara Croft, dividida em dez partes. Trata-se de uma análise da personalidade de Lara ao longo da franquia, ressaltando as nuances da personagem e as mudanças que ela sofreu ao longo do tempo.


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PARTE 1 - PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Dentro do fandom, são comuns as comparações entre as diferentes interpretações de Lara Croft. Sua versão atual, consolidada em 2013 através de um reboot completo da franquia, foi vendida como uma personagem "mais humana e realista" em contraste com as versões anteriores. Mas será que essas mudanças realmente conferiram mais humanidade à personagem? O quanto essa Lara faz sentido? E o quanto as anteriores faziam? Acompanhe esse histórico sobre as características da personagem e o que mudou no decorrer da franquia.

Na década de 90, o marketing do jogo anunciava Lady Croft como uma mulher sexy, invencível, intrépida ao exagero. Nos trailers dos jogos e até mesmo em propagandas de TV, era praticamente imbatível. O destaque vai para uma propaganda da bebida Lucozade, da qual Lara toma um gole e em seguida manda sarcásticos beijinhos para os inimigos, aterrorizando-os imediatamente. Como se soubesse e abusasse do seu poder de protagonismo, a Lara Croft idealizada não tinha medo de absolutamente nada. Era perfeita, sequer tropeçava.

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Cena de um dos comerciais da Lucozade.

Mas não tome conclusões ainda: Lara não era essa boneca perfeita e infalível durante os gameplays. Nas suas aventuras, ocasionalmente demonstrava suas imperfeições e sentimentos, ainda que sua expressão facial ficasse congelada devido às limitações tecnológicas da época.

Tomb Raider (1996)
Nota: Se desejar, assista às cinemáticas do jogo legendadas aqui.

Em 1996, fomos apresentados àquela que viria a se tornar a figura feminina mais relevante dos videogames. Lady Croft já começou o jogo com uma resposta merecidamente debochada para a pergunta desnecessária de seu "colega" Larson — obrigado, Lara, é assim que se reage a "piadinhas" machistas. A primeira cinemática já mostrou quem ela era: uma mulher sarcástica, curiosa e rica. Ela gostava de mistérios e de coisas perigosas. "Provavelmente é uma daquelas pessoas malucas que arriscam a vida em esportes radicais", você poderia pensar. E era mesmo: depois de uma conversa com a empresária Jacqueline Natla, Lara partiu para uma expedição nas montanhas gélidas do Peru, em busca do Scion, um poderoso artefato que contém os segredos da cidade perdida de Atlantis.

"I only play for sports" ("Eu trabalho apenas por esporte"), diz Lara, após Natla tentar contratá-la para buscar o artefato.

Logo no início da aventura, Lara escalou por um alto portão utilizando uma corda, com objetivo de acionar uma alavanca construída inconvenientemente a uns 10 metros do chão. Seu companheiro de viagem a aguardava em solo — o jogo não deu informações sobre quem ele era, mas presumia-se que fosse alguém contratado por Lara para acompanhá-la em sua expedição.

O FMV (full motion video) era um recurso tecnológico que permitia que Lara tivesse diferentes expressões faciais. O modelo jogável de Lara, no entanto, tinha a face "congelada" e com expressão neutra.

Subitamente, surgiu uma pequena alcateia, que atacou o pobre homem. Lara não exitou em ajudá-lo: numa jogada arriscada, rapidamente puxou uma faca, cortou a corda e se deixou cair de uma altura perigosa, atirando contra os lobos.

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Infelizmente, os violentos lupinos conseguiram o que queriam, e Lara presenciou seu colega morrer diante dela. Apesar de ter arriscado sua própria vida para salvá-lo, Lady Croft era notadamente uma pessoa fria. Aqui se observou uma característica importante da nossa anti-heroína: a maneira com que lida com a morte. Sendo uma ladra experiente capaz de matar a sangue frio, Lara não era o tipo de pessoa que se derretia em prantos sobre um caixão em um velório. Evidentemente, isso não a tornava menos humana. Ela se importava com quem se importava com ela, se arriscava se fosse preciso, lamentava suas perdas, mas não se deixava abater com uma morte — a vida segue.

Lara lamenta a morte de seu colega, mas não se deixa abalar por isso.

Além de seus atributos emocionais, fazia parte da construção da personagem seu vestuário característico: os icônicos shorts e regata azul esverdeada. Não era exatamente uma roupa adequada para o frio do Peru, mas lembremos que Lara estava usando um poncho no início da cena, e o "perdeu" durante o repentino e trágico ataque dos lobos. Parece ter sido uma boa estratégia dos criadores do game, já que queriam manter a Lara durante todo o jogo com a roupa clássica, e ao mesmo tempo evitar o questionamento do porquê uma mulher iria para um lugar tão gelado sem nenhum agasalho.

Ora, admitamos que a caracterização de Lara poderia ter sido outra. Eles poderiam tê-la feito de calças, que é muito mais adequado para qualquer aventura perigosa. Também poderiam, claro, não ter exagerado nos seus atributos físicos. Por ora, vamos assumir que a personagem Lara Croft foi pensada como uma mulher que adora seus shorts, e que provavelmente gosta de se sentir sexy sem ser julgada por isso. Nada que a nossa suspensão de descrença não consiga suportar. Então, voltando ao assunto principal, Lara estava de shorts na neve porque perdeu seu agasalho. Dentro da proposta do jogo, foi aceitável.

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A primeira fase do primeiro Tomb Raider. Lara usava sua roupa clássica, mas não tinha tranças, porque a tecnologia da época não permitia.

Na sequência da aventura, houve um momento em que Lara se deparou com Natla e seus capangas, que a cercaram, assaltaram-na e tentaram matá-la cruelmente. Croft, então, mandou sarcásticos beijinhos para eles e venceu a luta com suas perfeitas habilidades, só que não. Não estamos falando da Lara Croft idealizada da propaganda da Lucozade, mas da Lara "real". Estando em minoria e sem armas, ela não tinha chances, então fugiu dali como pôde. Os desgraçados, logo em seguida, partiram de barco.


Numa cena épica envolvendo pilotagem de moto e habilidades com nado, Lara conseguiu alcançar o barco e se escondeu em uma cabine. Exausta por sua longa expedição no Egito, ela caiu sobre tecidos — aparentemente bem confortáveis — e dormiu profundamente, como alguém que acabara de completar uma jornada intensa de trabalho pegando quatro conduções lotadas. Para quem deveria ser perfeita e infalível, Lady Croft tinha limitações físicas demais.

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Descanse, Lara. Ninguém é de ferro.

Impressões iniciais

A personagem Lara Croft foi apresentada como uma anti-heroína sarcástica, aventureira e desapegada. O enredo não trouxe conflitos pessoais para a protagonista, mas notou-se a construção de uma personagem que, embora fosse bastante habilidosa, não era perfeita, tampouco indestrutível. Seus momentos de fraqueza foram suficientes para demonstrar isso.

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Além do mais, qualquer comentário sobre o primeiro Tomb Raider deve levar em conta o fato de que ele foi um "jogo de teste", um risco para a equipe da Core Design frente o mercado de jogos de sua época. Ninguém sabia que a franquia faria tanto sucesso, e o primeiro jogo foi construído provavelmente com menos recursos financeiros e tecnológicos. Evidência disso é a simplicidade do produto final: há poucos detalhes e poucos objetos nos cenários, a história não tem muitas camadas e as questões pessoais da Lara não são trabalhadas com profundidade. Lara, inclusive, utiliza o mesmo traje durante todo o jogo, desde os cenários frios do Peru até as abafadas câmaras de lava dos templos atlanteanos. Apesar de tudo, a Core Design trouxe uma personagem bem sólida e à frente do seu tempo. "I only play for sports" talvez tenha sido a frase mais representativa dita por nossa arqueóloga, pois, antes mesmo de o jogo começar, já revela ao jogador que Lara faz o que faz porque gosta, e porque provavelmente está agindo para deixar sua marca no mundo. Evidentemente, o sucesso foi tanto que Tomb Raider se tornou uma máquina de dinheiro para a Core Design.

Naturalmente, os próximos jogos apresentam uma Lara cada vez mais expressiva, com roupas e acessórios diferenciados e mais adequados para cada aventura, cenários mais imersivos e complexos, além de enredos mais dramáticos, aprofundados  e multifacetados.

Acompanhe essa série de artigos, dividida em 10 partes, que abordará toda a franquia sob uma perspectiva das características psicológicas da personagem.


PARTE 2 - AVENTURAS E FRUSTRAÇÕES


Tomb Raider 2: Starring Lara Croft (1997)
Nota: Se desejar, assista às cinemáticas do jogo legendadas aqui.

Um ano após o sucesso de Tomb Raider, foi lançado o segundo jogo da franquia. De um modo geral, essa aventura trouxe bastante frustração para a nossa aventureira. Sozinha, Lara precisou se virar para conseguir pistas da localização de Marco Bartolli, o "vilão principal", bem como dos artefatos necessários para desbloquear a passagem do Templo de Xian. Nos primeiros arcos, ela não tinha muitas informações, nem mesmo muitas escolhas, e acabou embarcando em viagens bastante complicadas.

Quando Lara entrou escondida no avião de Marco Bartolli, o voo foi bastante complicado — para uma aristocrata podre de rica, as viagens de Lady Croft não corresponderam, digamos, aos luxos de sua classe social.

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Lara à bordo do avião de Marco Bartolli. Algumas turbulências no voo atrapalharam a vida de Lady Croft.

Como se não bastassem os tombos, Croft foi descoberta e levou uma baita cacetada na cabeça. Essa doeu até em mim.

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É importante mencionar os momentos estabanados de nossa anti-heroína, para distinguir muito bem a Lara idealizada e perfeita das propagandas, e a Lara tal como ela é nos jogos. Convém, inclusive, lembrar-se das cenas em que a fria e petulante Lady Croft demonstrou empatia e ajudou estranhos que cruzaram seu caminho. Em um momento de sua aventura, Croft encontrou um monge ferido — o irmão Chan Barkhang — e conversou com ele após analisar seu coração e pulso para conferir seu estado de saúde. Infelizmente, o pobre homem teve um final trágico.


A aventura de Lara se estendeu para um navio naufragado no fundo do Mar Adriático. O destaque dessa viagem é que ela foi de penetra pela segunda vez. Aliás, até aquele momento, em nenhum instante houve a sensação de que Lara tinha algum controle da situação. Ela parecia estar sempre atrasada, e tomava decisões mais sob pressão do que sob planejamento. Para alguém que já foi descrita pela crítica como "a mulher perfeita", Lara tinha defeitos demais.

Lara penetra Croft "à bordo" do minissubmarino, inconvenientemente do lado de fora.

Após conseguir submergir novamente, Croft estava visivelmente cansada. Mas sua expressão era de alívio. Pela primeira vez nessa aventura, concluiu sua expedição com um artefato em mãos — enfim, Lady estabanada. Mas Lara ainda precisava chegar ao Tibete o quanto antes para levar o valioso item. Sem tempo para se preparar, ela roubou um avião — o mesmo que a transportara para lá — e alçou voo. Ainda estava com seu traje clássico por baixo da roupa de mergulho, mas, por sorte, encontrou uma jaqueta de aviador no interior da aeronave. Vestiu-a para se proteger minimamente do frio que a aguardava. Como se não bastassem duas viagens difíceis no mesmo jogo, o avião deu pane em pleno ar, e Lara precisou agir rápido para sair dali. Mais um momento de tensão para a azarada aventureira. Vale a pena assistir à cinemática:



No Tibete, Lara chegou ao Monastério Barkhang e se deparou com o ataque dos capangas de Marco Bartolli contra os monges nativos. Naquele momento, o jogador pôde decidir qual seria a atitude da protagonista: ajudar os monges ou atirar contra eles. Caso escolha ajudar, Lara é permitida andar tranquilamente pelo Monastério. Dessa vez, você, caro leitor, teve o poder de decidir a quantidade de empatia de Lara — não reclame depois.

Lara no Monatério de Barkhang, no Tibete. O uso dos shorts no ambiente gelado foi consequência da falta de tempo para se preparar para a inesperada viagem.

Em comparação com o jogo anterior, Tomb Raider II traz uma Lara mais polida tanto graficamente quando emocionalmente. Ela teve seus momentos de fraqueza e empatia, e o enredo permitiu que o próprio jogador se responsabilizasse pelos seus atos. Ademais, Tomb Raider II reforçou o que já sabíamos desde sua aventura nos Templos de Atlantis: Lara, embora fria, calculista e bastante habilidosa, possui suas limitações e está longe de ser perfeita.

Aliás, para não perder o costume, ao final do jogo, Croft chegou atrasada no salão principal do Templo de Xian, e presenciou Marco Bartolli com a adaga de Xian em mãos executando uma espécie de ritual religioso macabro, com direito a musiquinha sinistra e um ato de suicídio.

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Lara se surpreende ao presenciar o suicídio de Marco Bartolli. A falta de tecnologia não permitia expressões faciais no modelo jogável de Lara.

E você, já conhecia a épica aventura de Lara em Tomb Raider II?

Tomb Raider 3: The Adventures of Lara Croft (1998)
Nota: Se desejar, assista às cinemáticas do jogo legendadas aqui.

Na terceira aventura da franquia, Lara precisou reunir quatro artefatos que, no passado, foram encontrados por um navegador a serviço de Charles Darwin, e espalhados pelo globo. Após coletar o primeiro artefato na Índia, ela conseguiu informações com um pesquisador local. Durante a conversa, destacou-se sua reação ao aceitar a proposta de viajar por cenários nada amigáveis ao redor do mundo para buscar os valiosos itens:

"Sounds good to me" ("Soa bem pra mim"), disse Lara ao pesquisador. Definitivamente, a arqueóloga gostava de aventuras e desafios. É o que a fazia sentir-se viva.

Diferentemente do jogo anterior, aqui Lara teve mais liberdade para escolher aonde ir.

Na sua viagem para as ilhas do Pacífico Sul, ela foi atacada por nativos canibais com lanças e dardos envenenados. Croft não estava interessada em se transformar em almoço, então assassinou os nativos a sangue frio no momento em que foi atacada. É o famoso "antes eles do que eu".

Ainda na aldeia, nossa aventureira encontrou um homem com a perna direita amputada, provavelmente atacado pelos mesmos canibais. Lara demonstrou empatia após ele contar sua trágica história, e prometeu ajudar caso encontrasse algum de seus amigos pela floresta. Lara não tinha expressões faciais, mas seu timbre de voz, muito bem produzido pela dubladora Judith Gibbins, demonstrou o quanto ela teve pena daquele homem, e o respeito pela sua dor.


No fim de sua expedição pelo Pacífico Sul, Croft encontrou outro nativo canibal, que afirmou estar em jejum. Ela poupou sua vida, pois não viu ameaça — Croft não matava apenas por matar, querido leitor. Tão sarcástica quanto possível, ela comentou que era o dia de sorte do rapaz, pois ela também não estava com fome.

Tudo estava indo bem demais, até que a estabanada arqueóloga viajou para os Estados Unidos e tentou uma manobra arriscada com um quadriciclo:


Adicione isso à lista de tombos da aventureira, juntamente com essa outra cena:

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Essa foi por pouco, Lara!

E essa:

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Quem disse que a Lady era perfeita?

Lara também vivenciou momentos em TR3 que demonstraram seu lado empático, como quando encontrou alguns mendigos mascarados que moravam numa estação de metrô abandonada de Londres. Eles lhe contaram que, no passado, foram funcionários da empresária Sophia Leigh, que os usaram para testar seus "produtos de beleza". No entanto, tiveram seus rostos desfigurados pela química dos produtos, e foram descartados como animais após os experimentos darem errado.

Os pobres homens usavam máscaras para esconder seus rostos deformados.

Lara, então, prometeu ajudá-los: durante sua ida ao Museu de Londres, ela roubou um frasco de fluido embalsamado para levar até eles, na tentativa de amenizar suas já condenadas situações dermatológicas. Aliás, o jogo deu a possibilidade de não auxiliá-los, inclusive de matá-los, então fica a cargo do jogador escolher o que fazer. De qualquer modo, quando Lara encontrou Sophia, mostrou-se revoltada pelos danos irreversíveis que aquela psicopata havia causado aos seus funcionários.

Sophia Leigh, no conforto de seu luxuoso escritório, enquanto seus ex-funcionários agonizam abandonados na estação do metrô. O cinismo dela irrita qualquer um.

Depois de um episódio de revolta na cidade de Londres, Lara viajou para a Antártida. Diferentemente da situação do jogo anterior, dessa vez ela teve tempo de se preparar para o frio, então usou um traje bastante adequado para o gélido e perigoso continente. Na Antártida, as limitações de Lara foram colocadas à prova: ela não conseguia manter-se debaixo de águas tão geladas por mais que alguns segundos, antes de morrer de hipotermia — as limitações físicas da Lady eram evidentes.

Traje de Lara em sua expedição no Pólo Sul.

Na Antártida, Croft esbarrou com alguns pesquisadores que lutavam contra seres geneticamente modificados cuspidores de veneno. Aqui, mais uma vez, o jogo dá ao jogador o poder de escolha: Lara pode atirar nos pesquisadores ou se aliar a eles na luta contra as aberrações.

O último destaque do jogo vai para a reação da arqueóloga ao presenciar a insanidade do boss final:

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Susto e perplexidade.

Percepções sobre a franquia

As aventuras de Lara em sua primeira trilogia não lhe trouxeram grandes conflitos pessoais, mas focaram nos seus objetivos enquanto uma arqueóloga que only play for sports. Ainda assim, a anti-heroína vivenciou momentos de frustração, cansaço, revolta, compaixão e perplexidade, precisou lidar com as consequências de seus erros, além de ter suas limitações físicas colocadas à prova diversas vezes. E mais importante: ficou claro que Croft não é somente uma personagem que corre, pula e atira. Suas ações, na verdade, fazem parte da realização da sua vida. Ela tem paixão no que faz, e este é o ponto mais interessante da trama.


Nos jogos seguintes, a personagem foi abordada de uma maneira mais profunda. Surgiram conflitos pessoais capazes de despertar emoções mais intensas, assim como um senso de responsabilidade. 

PARTE 3 - A QUEDA DE UMA ANTI-HEROÍNA

Tomb Raider 4: The Last Revelation (1999)
Nota: Se desejar, assista às cinemáticas do jogo legendadas aqui

O quarto jogo da franquia se diferiu dos três primeiros porque trouxe mais camadas pessoais à saqueadora de tumbas, ao apresentar uma experiência traumática de sua adolescência. The Last Revelation convidou o jogador a conhecer uma parte das origens da personagem.

O enredo mostrou a convivência de Lara com seu mentor Werner Von Croy, que lhe ensinara algumas habilidades, como também lições sobre... saquear objetos de alto valor arqueológico. Tragicamente, aos 16 anos, Lara presenciou Von Croy cair em uma armadilha no Templo de Camboja. Foi um momento de aflição para a inexperiente aprendiz, que precisou lidar com a perda de seu professor.

"Werner!", exprime a aprendiz, afilta. O modelo jogável de Lara em TR4 ainda não tinha expressões faciais, mas, dessa vez, sua boca se "mexia".

Na sequência da história, a destemida aventureira, já adulta, invadiu a Tumba de Seth e saqueou um artefato chamado "Amuleto de Hórus". Nada novo sob o sol.


Lara, então, visitou um amigo, o arqueólogo Jean-Yves, que lhe deu informações sobre o tal artefato. Croft estava feliz em vê-lo, parecia ser um amigo de longa data. A conversa entre eles e o clima de respeito mútuo demonstraram o lado amável da aventureira.

"Jean-Yves, my faithful friend!" ("Jean-Yves, meu fiel amigo!"), disse Lara ao abraçar Jean-Yves, por quem tinha muito apreço.

O arqueólogo contou que o artefato que Lara roubara era, na verdade, uma chave usada há 5 mil anos para aprisionar Seth, o deus egípcio da morte. Com a chave removida, Lara tinha acabado de libertar a indecorosa deidade, iniciando uma sequência de maldições que mergulharia o mundo em trevas. Lara, evidentemente, reagiu com perplexidade e culpa.

Reação de Lara ao descobrir que libertara Seth, o deus da morte  a madame achou que podia fazer o que bem quisesse sem sofrer as consequências?

Os sentimentos de Lara em Tomb Raider The Last Revelation são mais intensos que nos jogos anteriores, não somente pela evolução tecnológica — suas expressões nas FMV's eram menos "caricatas" — mas também pelas situações que ela vivenciou. Lara precisou correr contra o tempo para consertar o erro (a grande cagada) que tinha cometido. Inclusive, teve que lidar com o retorno de seu antigo mentor, Werner Von Croy, que surpreendentemente estava vivo e bastante ressentido. As cenas dos encontros entre os dois eram sempre tensas. Digamos que o sarcasmo de Von Croy juntamente com a falta de paciência de Lara nunca resultava em uma combinação pacífica.

Lara teve uma personalidade bem trabalhada neste jogo. A corrida contra o tempo para salvar o mundo do Apocalipse colocou a anti-heroína sob pressão, e revelou seu senso de responsabilidade. Exausta, ela chegou a pedir a seu amigo um breve momento de descanso, mas ele reforçou que o mundo seria dizimado caso ela não agisse imediatamente.

"Está na hora de colocar as coisas no lugar, e tirar essa pedra do meu sapato".

Como se não bastassem todos os problemas, Von Croy se apossou do amuleto de Hórus e se tornou receptáculo do próprio deus da morte. Tão estúpido quanto nunca, ele sequestrou Jean-Yves para chantagear Lara, que recebeu a notícia com surpresa, aflição e raiva.

Lara após receber a notícia de que Jean-Yves fora raptado por Von Croy.

A reação de Lara foi sair correndo para resgatar o amigo, sem pensar. A preocupação da arqueóloga com a integridade de seu colega de profissão revela um lado da personagem profundamente afetuoso.

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Outro momento que denunciou a empatia de Lara foi sua reação ao encontrar um soldado ferido na região do Cairo. Ela demonstrou compaixão e também recebeu ajuda para cumprir seus objetivos.


Lara também ajudou um homem que estava sendo atacado por um escorpião de uns três metros de largura — aliás, no momento do ataque, houve a opção de não salvá-lo, a decisão é do jogador. Mais tarde, outros escorpiões apareceram atacando pessoas no local, e Croft pôde escolher entre ajudá-las ou não. Aqui, mais uma vez, as atitudes da protagonista não dependeram de um roteiro prévio, mas da decisão do jogador. De qualquer modo, toda essa situação era culpa de Lara, e a responsabilidade pesou sobre ela.

Lara salvou o homem de um ataque.

O objetivo da arqueóloga foi atingido quando ela conseguiu libertar o deus Hórus, único ser capaz de aprisionar Seth de volta para dentro da pirâmide, usando o Amuleto. A cena final do jogo mostrou Lara exausta saindo da pirâmide, escorada, a passos lentos e mancando. Ela reencontrou seu mentor, que dessa vez ofereceu-lhe ajuda, pois tinha sido liberto da possessão de Seth. Lara chegou ao seu limite.


Não posso deixar de lembrar ao leitor que esta Lara já foi estigmatizada como uma mulher "perfeita e infalível". Ora, a destemida arqueóloga terminou esse arco soterrada, e foi dada como morta.

Curiosidade: Alguns avanços tecnológicos foram notáveis em Tomb Raider The Last Revelation. Além dos gráficos naturalmente melhores que o jogo anterior, a mira de Lara deixou de ser "perfeita". É certo que, desde o primeiro jogo da franquia, Lara nunca conseguia mirar em um adversário muito distante. Mas em Tomb Raider 4 um detalhe sutil foi acrescentado: quando Croft tentava acertar algum inimigo suficientemente pequeno e/ou distante, ela errava vários tiros. Era possível observar isso porque os tiros bem-sucedidos resultavam em esguichos de sangue, e os mal-sucedidos em faíscas amarelas decorrentes do impacto das balas contra a parede. Essa pitada de realismo conferida ao jogo tornou as coisas mais interessantes, e evidentemente reforçou o fato de que Lara tinha limitações como qualquer ser humano  mas somente em TR4 a tecnologia possibilitou essa representação.

Tomb Raider 5: Chronicles (2000)
Nota: Se desejar, assista às cinemáticas do jogo legendadas aqui.

O quinto jogo da franquia começou no velório de Lara Croft, momento em que os amigos da desaparecida arqueóloga se reuniram para relembrar algumas de suas aventuras. Chronicles foi um jogo mais light para a nossa aventureira, no sentido de que não a submeteu a tantas pressões emocionais como no jogo anterior. No entanto, o enredo constantemente reforçou sua personalidade forte.

Vamos começar com um clássico momento estabanado da Lady — estava sentindo falta das videocassetadas, caro leitor?

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Tomb Raider Chronicles foi um ótimo jogo para reforçar as motivações de Lara. Em uma aventura na Rússia, ela foi atrás de um artefato denominado "lança bíblica", e sua reação ao saber que o tal item estava em um navio naufragado no fundo do mar foi a melhor possível:

"Muito bem, submarino nuclear. Parece legal, feriado perfeito!", Lara comenta com seu amigo, após descobrir que roubar o artefato seria mais difícil do que se pensava.

Um close para o traje:

Lara no ambiente nevado da Rússia, usando um traje especialmente eficiente para se proteger do frio.

Por causa do uso inadequado do tal artefato nas mãos de um idiota do comandante Sergei, ocorreu uma explosão no submarino em que Lara estava, e ela se viu obrigada a sair dali antes que fosse tarde. Embora tivesse pouco tempo para se salvar, Lara se compadeceu de seu inimigo, o russo Yarofev, que seguia ordens do comandante. Após vê-lo escorado sem esperanças, diante de todas as tragédias que haviam acontecido com seu precioso submarino, Croft lhe ofereceu ajuda.


A arqueóloga o pegou pelos ombros e o sacudiu, tentando convencê-lo de que nem tudo estava perdido. O diálogo entre eles revelou, mais uma vez, que Lara era capaz de sentir compaixão diante de tamanho sofrimento, mesmo se tratando de um adversário:

 Sabia que o velho Sergei daria fim a tudo. (...) Estamos todos condenados!  lamentou Yarofev, com profunda tristeza.
 Nós temos uma chance! A cápsula de escapamento! Vamos, eu te ajudarei!  Lara o rebateu.
 Eu faço isso para alimentar minha família (...). E agora isso, corpos deixados para os peixes!
 Yarofev, eu posso ajudar, mas você tem que me ajudar também! O navio irá atingir o fundo do oceano, e então nosso tempo terá acabado!

Lara rondou o submarino novamente para coletar cápsulas de oxigênio, e retornou para o pobre homem, na tentativa de salvá-lo junto com ela:

 Com o oxigênio você escapa! Vai agora!  insistiu o russo, quando vê que Lara conseguiu as cápsulas.
 Não sem você!  disse Lara, determinada.

Embora Lara tenha tentado salvá-lo, o desvalido russo estava destruído emocionalmente. Desamparado, considerava seu submarino tão importante quanto sua vida, e pediu para morrer em paz. Lara infelizmente não pôde salvá-lo, mas fez-lhe uma promessa de honra, como um último pedido. Assista à cinemática legendada.


Lara Croft não é uma heroína, não é uma vilã, tampouco uma psicopata. Suas atitudes a caracterizam como uma anti-heroína: ela faz o que for preciso para alcançar seus objetivos. Utilizando suas habilidades e armas, enfrenta qualquer um que ousar atacá-la, mas tem seus momentos de empatia e compaixão. Suas experiências com mortes e tragédias a moldaram como uma pessoa fria, que dificilmente se surpreende. Lara é uma mulher que gosta de viver a vida aos extremos. A arqueologia, para ela, não é uma profissão, é um estilo de vida.

A última cena de Tomb Raider Chronicles mostrou Von Croy e sua equipe em sua incessante procura pelo paradeiro de Lara em meio aos destroços da pirâmide. Estaria viva ou morta? Eles precisavam saber. No último instante, um dos homens encontrou a mochila de Lara, mas não o seu corpo.

PARTE 4 - ASCENSÃO E TREVAS

Trilogia de livros canônicos
A mochila de Lara estava lá, em meio aos destroços, mas não o seu corpo. Ela estava viva.

A história que explica como Lara sobreviveu ao acidente no Egito é narrada no livro Tomb Raider: The Amulet of Power. O livro é uma sequência direta de Tomb Raider The Last Revelation, e termina momentos antes de Tomb Raider the angel of darkness  sexto jogo da franquia. Há ainda mais dois livros que sucedem a história de the angel of darkness. Juntos, as três obras completam a trilogia de livros canônicos da Lara Croft clássica.

A ordem cronológica dos acontecimentos é: The Last Revelation (jogo), The Amulet of Power (livro), The angel of darkness (jogo), The Lost Cult (livro) e The Man of Bronze (livro)

Para o deleite dos fãs brasileiros, esses livros foram gentilmente traduzidos para o português pelo fã Gladston Henrique (Instagram: @onecroft). Para baixar essas obras, acesse este link.

Ler os livros canônicos é uma experiência incrível, pois possui a vantagem intrínseca de toda obra literária: a possibilidade de descrever sentimentos e sensações com precisão. Se as limitações tecnológicas dos jogos clássicos dificultavam a manifestação de sentimentos de Lara, nos livros acontece o oposto: esses sentimentos são descritos e esmiuçados através de ótimas narrativas — muito bem traduzidas, inclusive. As nuances de personalidade de Lara são exploradas como nunca.

Nos livros, há algumas confirmações sobre aspectos da personalidade de Lara que já presumíamos dos jogos, como, por exemplo, o fato de que a arqueóloga se sente bem com sua roupas, e, mesmo estando em países cujas leis restringem a liberdade de vestimenta feminina, ela usa shorts ou o que der na telha, e ai de que ousar ditar-lhe regras. O prazer de Lara em manusear suas pistolas duplas também é explorado.

Preciso me conter para não dar spoilers sobre as histórias, não quero estragar a experiência do leitor. Mas já adianto que, no primeiro livro, Lara vivenciou momentos traumatizantes até para os seus padrões, que explicam a maneira bastante sombria em que reaparece em Tomb Raider the angel of darkness. Ficou curioso? Baixe os livros e agradeça ao tradutor Gladston Henrique.

Tomb Raider: the angel of darkness (2003)
Você sabia? Esse jogo possui uma versão para PC dublada por fãs.

O primeiro Tomb Raider da sexta geração dos videogames já começa com assassinato e perseguição policial.


Lara foge da polícia por ser acusada de assassinar Werner Von Croy. A arqueóloga têm momentos intensos de fuga pela cidade de Paris, e dessa vez a tecnologia permitia expressões faciais bastante elaboradas — pelo menos para os padrões tecnológicos da época; para o leitor ter uma ideia, era surpreendente até mesmo que Lara tivesse dedos.


Existem muitos diálogos durante a história, muitos deles com a possibilidade de decidir as falas de Lara Croft. Dependendo do que o jogador escolher, Lara pode se comportar de maneira mais amável ou mais fria, até grossa às vezes.

Lara conversa com Mademoiselle Carvier, acerca do assassinato que ocorrera. O clima da conversa é de tensão e lamento pela morte de Von Croy.

Tomb Raider: the angel of darkness é um jogo emocionalmente intenso e cheio de camadas. Num contexto de fuga por becos parisienses, a destemida Lady Croft não tinha acesso aos seus luxos de aristocrata, pelo que precisou constantemente trocar favores com desconhecidos por recursos e informações. Lara estava perdida, nem mesmo sabia quem tinha matado seu amigo. Durante o jogo, ela parecia estressada e, às vezes, frustrada. Os momentos tensos aliados a uma incrível trilha sonora trouxeram-lhe um enredo bastante dramático, com alguns momentos de pressão psicológica.

"Não me enrole, Bouchard. Perdi meu amigo ontem!" - Lara Croft para Louis Bouchard, chefão de uma máfia de Paris, que lhe forneceu trajes e armamentos adequados.

Evidentemente, nossa anti-heroína passou por muitos perrengues:


Em um momento da história, Lara finalmente conseguiu o que queria: uma pintura obscura escondida nas profundezas de um sítio arqueológico do Museu de Louvre. Parecia que, finalmente, tinha começado a assumir o controle da situação, mas seu passeio pelo museu não terminou como ela esperava: Lara foi rendida, desarmada e assaltada e feita de idiota, não por uma equipe de soldados, mas por apenas um único homem. Da próxima vez, seja mais esperta, Lady Croft.


Lara correu atrás dele, mas terminou levando um baita soco, que a deixou inconsciente. Vale a pena conferir a emocionante cinemática:


Continuação:



Como se não bastassem bandidos tramando sua morte, Lara foi traída por Bouchard, que contratou um assassino para fazer o serviço. Furiosa, ela escapou da armadilha e foi atrás do paradeiro do mafioso. Encontrou-o na cidade de Praga, disposta a matá-lo, mas não sem antes interrogá-lo.


Bouchard lhe deu todas as informações que tinha, e contou que agira sob pressão, pois um psicopata chamado Eckhardt ordenara que a matasse em troca de poupar a vida de seus homens e de sua família. Após receber todas as informações que precisava, Lara se compadeceu dele e desistiu de matá-lo.

O homem mencionado por Bouchard era de fato um psicopata da pior espécie. Lara chegou a presenciar dois momentos em que o desgraçado torturava e matava pessoas, e as reações da arqueóloga eram de espanto. Houve um momento em que Croft desviou o olhar, pois não tinha estômago para presenciar a cena. Comparada a Eckhardt, a fria e sanguinária Lara Croft era um exemplo de ser humano.

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Usando poderes sobre-humanos, Eckhardt matou o pobre jornalista com quem Lara tinha conversado momentos antes.

O enredo de angel of darkness contou com a presença de Kurtis Trent, que se tornou aliado de Lara, e por quem ela demonstrou preocupação e afeto no último arco de sua aventura.


A ajuda de Kurtis foi essencial para Croft. Ele se colocou em risco por ela, e o enredo deixou uma expectativa de que os dois fossem ter um romance no futuro.

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Sem nenhuma sombra de dúvidas, Tomb Raider the angel of darkness foi uma obra de arte intensa, emocionante e dramática, que trouxe à Lady Croft momentos de tensão, empatia e até mesmo impotência. A trilha sonora cumpriu um papel importante na construção do suspense, e reforçou os sentimentos da protagonista.

Ao final do jogo, o principal adversário de Lara ofereceu uma aliança com ela, que demonstrou surpresa e perplexidade.

Nesse momento, devo lembrar ao leitor o discurso que é a motivação desta série de textos: a não tão rara declaração de que a Lara clássica era uma mulher imbatível, impassível de sentimentos e totalmente ávida a matar qualquer um que cruzasse seu caminho. Bem, isso soa como piada agora, não é mesmo? Embora Lara tenha sido construída como uma personagem sarcástica, habilidosa e capaz de matar a sangue frio, suas emoções, conflitos e limitações eram evidentes nos jogos, e constituíam aspecto importante da narrativa.

Lara ao final de sua aventura, exausta.

Curiosidade: Em Tomb Raider: the angel of darkness, a evolução tecnológica permitiu acrescentar animações mais elaboradas para a protagonista. Uma delas é a animação de "quase errar" o pulo. Se o jogador conseguisse acertar a plataforma após um pulo de Lara, a personagem frequentemente tinha dificuldades de se agarrar com as mãos. Semelhantemente ao caso de Tomb Raider The Last Revelation, os avanços tecnológicos permitiram acrescentar "defeitos" aos movimentos de Lara para reforçar suas limitações físicas. Outra novidade do jogo é a barra de estamina, que limita o tempo em que os braços de Lara conseguem aguentar o peso do seu próprio corpo.


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Ocasionalmente, as mãos de Lara deslizavam ao se agarrarem em alguma plataforma.

Tomb Raider the angel of darkness foi o último jogo da desenvolvedora de games Core Design. A sequência da franquia ficou nas mãos da Crystal Dynamics.


PARTE 5 - NOVAS MOTIVAÇÕES E CONFLITOS


Tomb Raider: Legend (2006)

Tomb Raider Legend (2006) foi o primeiro reboot da franquia, que ficou marcado pela mais nova motivação de Lara: encontrar sua amada mãe Amélia Croft. Houve piadas sobre o fato de a franquia ter se tornado uma "novela mexicana" ou um episódio de "Casos de Família", mas, no fundo, os comportamentos de Lara foram coerentes: como filha, queria matar a saudade; como arqueóloga, queria descobrir toda a verdade sobre o terrível e misterioso episódio de sua infância que culminou no desaparecimento de sua mãe.

Lara, quando criança, viu sua mãe desaparecer diante dos seus olhos, num fenômeno até então não explicado.

Fez sentido. Alguém tão rica e corajosa como Lady Croft, com uma mãe desaparecida, não poderia deixar de procurá-la um dia. Adicione o fato de que Lara era capaz de matar a sangue frio, e contemple a história de alguém que passou por cima de tudo e todos para encontrar sua amada mãe. Altruísmo não é exatamente a principal qualidade da senhorita Croft, e isso não a faz menos humana. Algumas pessoas roubam, matam e fazem justiça com as próprias mãos, e Lara Croft é uma delas.

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ONDE ESTÁ A MINHA MÃE?

Alguns momentos da arqueóloga no Legend revelam-lhe um lado afetuoso, como, por exemplo, sua sincera amizade com Anaya.


Já tivemos grandes demonstrações de afeto nos jogos anteriores da franquia, especialmente em The Last Revelation e The angel of darkness. É importante comentar que a mãe de Lara não era um elemento indispensável para trazer à tona emoções da personagem. Essas emoções já eram trabalhadas na Era Core Design, embora Lara nunca tenha sido uma pessoa sentimental — e continuou não sendo em Legend. Também vale ressaltar que a Lara de Tomb Raider Legend não é a Lara da Core Design, mas uma personagem remodelada em sua aparência e modos, embora seja possível encontrar nela uma "essência" da Lara original.

Não pretendo aqui colocar uma versão de Lara como melhor que a outra usando como régua a época em que cada uma foi criada. Antes, farei mera comparação entre as versões, para destacar mudanças, ou até mesmo incoerências, causadas pela troca de produtora do game. Evidentemente, a Lara Croft da Core Design servirá como base de comparação, pois trata-se da obra original. Inevitavelmente, eventuais críticas negativas poderão surgir, mas de maneira impassível.

Assim como The Last RevelationTomb Raider Legend também apresentou vivências do passado da protagonista, quando ela era mais inexperiente. Alguns momentos de medo e apreensão fizeram parte da construção da história da personagem.


Aqui, destacou-se a amizade de Lara com Amanda, e o desespero da arqueóloga para salvar sua amiga de uma situação trágica.

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Além disso, no decorrer do jogo, frequentemente as emoções de Lara vieram à tona, principalmente quando se lembrava de sua mãe.

Lara encontra um objeto que, no passado, fora dado de seu pai para sua mãe. Isso desperta sentimentos de saudade e tristeza na arqueóloga.

Tomb Raider Legend tentou ser um jogo mais "descontraído". Durante todo o tempo, Croft utilizava um headset com microfone acoplado aos ouvidos, e se comunicava incessantemente com Zip e eventualmente com Alister, amigos que moram na mansão Croft. Sua constante interação com seus companheiros de equipe fez transparecer seu senso de humor e sua criatividade, e tornou a personagem mais "íntima" aos olhos do jogador.

Tomb Raider: Anniversary (2007)
Este jogo é um remake de Tomb Raider (1996)

No jogo de comemoração aos 10 anos de Tomb Raider, Lara "reviveu" sua incrível aventura em busca do Reino Perdido de Atlantis. A base da história foi a mesma que a do primeiro jogo da franquia, e foi interessante notar algumas cenas do jogo clássico reconstruídas em gráficos exorbitantemente mais evoluídos.

Lara lamentou a morte de seu colega, após ter tentado salvá-lo de um ataque de lobos.

Em Tomb Raider Anniversary, Lara não pareceu possuir exatamente a mesma personalidade do primeiro jogo da franquia. Ela estava mais "meiga" e até mais insegura. Os eventos de Anniversary aconteceram antes de Legend, e a história sofreu leves adaptações em relação ao jogo de 1996, tanto no enredo quanto no temperamento de Lara.

Lara se amedrontou ao presenciar o ameaçador rugido de um T-Rex, inimigo clássico na franquia. Momentos de medo foram relativamente frequentes em Anniversary.

No decorrer do jogo, Lara assassinou cruelmente centenas de animais. Apesar das mudanças conferidas ao jogo, ainda era aquela Lara Croft fria e sanguinária. No entanto, em um determinado momento da história, Croft foi tentada a matar Larson, mas recuou. O que houve, Lara? Não pode matar uma pessoa que lhe causou mal, mas pode uma centena de animais que nada lhe fizeram?
Lara olhou para suas mãos logo após ter matado Larson.

Lara acaba por matá-lo, mas depois, com peso na consciência, "limpa" as suas mãos sobre as roupas, simbolicamente. Numa cena completamente sem sentido, o jogador pode se perguntar como funcionam os valores morais da personagem. Ela estaria no início de sua vida como aventureira? Ela acha que matar é errado? Como exatamente ela lida com mortes? Ora, seria interessante ver a reação de Lara ao matar pela primeira vez, mas definitivamente os roteiristas foram infelizes ao representá-la.

Na cinemática seguinte, os incoerentes roteiristas deram um jeito de fazer Lara derrotar dois homens sem matar nenhum, deixando um matar o outro. Afinal, um assassinato pelas benevolentes e santas mãos de Lara já era suficiente para um jogo inteiro. Lara, inclusive atirou contra eles muitas vezes, mas não o suficiente para matá-los. Embora a proposta da cena tenha sido incoerente, foi uma das cinemáticas mais emocionantes do jogo:


Na sequência da história, Jacqueline Natla jogou na cara de Lara que ela não é exatamente um exemplo de ser humano. Lara, então, se sentiu culpada, e com visível remorso olhou novamente para suas mãos. O que é isso, Lara? Você passou esse tempo todo matando e roubando! Quem você achou que era? Madre Tereza de Calcutá?


Talvez a proposta tenha sido apresentar uma história do início da vida de aventureira de Lady Croft, ou talvez a equipe da desenvolvimento do jogo tenha tentado acrescentar algum conflito pessoal à personagem, para tornar as coisas mais interessantes. Evidentemente, escolheram o momento errado para representar esse conflito, e o resultado foi a presença de sentimentos onde eles não cabiam, tornando Croft uma pessoa sem sentido. Devo ressaltar que esta não é uma crítica ao jogo em si. Há muitos elementos que devem ser considerados para avaliar a qualidade de um jogo, mas como o foco deste texto é a personalidade de Lara, não poderia deixar de levantar essas questões.

Curiosidade: Em Legend e Anniversary, algumas novidades na jogabilidade reforçaram as limitações físicas da personagem. Dessa vez, Lara se atrapalhava em seus pulos frequentemente durante os gameplays, e o jogador tinha alguns décimos de segundo para corrigir, pressionando algum botão. As animações dos erros de Lara tornaram o jogo mais interessante, ao apresentar diversas limitações em suas habilidades.


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Além das animações atrapalhadas de Lara, Legend e Anniversary mantiveram a mira imperfeita da arqueóloga, um detalhe presente nos jogos desde Tomb Raider The Last Revelation: Lara continuava errando vários tiros ao tentar acertar inimigos um pouco distantes, e sequer conseguia mirar em algum quando estava longe demais. O estigma da mulher perfeita atribuído a Lara Croft não funciona nos jogos.

PARTE 6 - NERVOS À FLOR DA PELE

Tomb Raider: Underworld (2008)

Underworld foi um jogo tenso. Lara estava mais próxima de descobrir o que aconteceu com sua mãe, e ainda precisava encontrar o paradeiro do Mjölnir, o próprio martelo de Thor. Para começar, vamos relembrar o ataque do polvo gigante, que deu um baita susto na nossa anti-heroína, e visivelmente aumentou sua frequência cardíaca.

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Ainda bem que o cardiologista está em dia, não é, querida?

Logo no início de sua aventura, Lara foi rendida e levou uma coronhada na cabeça. Embora a riquíssima, sarcástica e petulante arqueóloga tenha tentado subornar os homens com dinheiro, eles estavam decididos: roubaram-lhe o artefato que ela acabara de adquirir e deixaram-na inconsciente. Malditos.

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"Eu suponho que você não aceitaria algum suborno, aceitaria?"

Lara também teve momentos de tristeza e saudade em Underworld, como quando encontrou uma gravação que seu falecido pai deixara para ela, acerca de informações sobre os artefatos que ela procurava. Richard Croft mencionou sua esposa, e a reação de Lara demonstrou o quando ela sentia falta dos dois.


Naturalmente, as expressões de Lady Croft deram um leve salto tecnológico em relação ao jogo anterior:

Reação de Lara ao ser surpreendida com um incêndio em sua própria casa.

Como se não bastasse o estresse por ver sua mansão em ruínas, Lara ainda foi surpreendida com seu amigo Zip atirando contra ela, inexplicavelmente. Ela o obrigou a largar a arma, ameaçando atirar de volta. Aqui, fica evidente um caráter agressivo, mas não imprudente, da arqueóloga. Lara assumiu o controle da situação rapidamente. Seu tom ameaçador, mesmo direcionado a um amigo — supostamente traidor, ela teria pensado — fez com que ela resolvesse a situação de maneira eficiente, evitando maiores tragédias.

"Largue a arma, Zip, ou eu atiro".

Ao mesmo tempo em que Croft poderia ter julgado Zip como um traidor, ele pensou o mesmo sobre ela, pois tinha visto a própria Lara armar a explosão da mansão. Bem, não era a Croft de verdade, mas um clone, uma Doppelgänger enviada por Natla para fazer o serviço. Repentinamente, a aberração apareceu e deu uma surra em Lara Croft. Isso mesmo: Lara apanhou e foi derrubada em apenas alguns segundos — definitivamente, o estigma de uma Lara perfeita e imbatível não funciona nos jogos. Antes de fugir, a desgraçada ainda atirou contra Alister, amigo de Lara, que já estava debilitado devido à inalação de fumaça. Vale a pena conferir à cinemática:


Lara viu seu amigo morrendo e correu para ajudá-lo. Desesperada, ela implorou para que ele resistisse ao ferimento da bala.

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Infelizmente. Lara perdeu seu amigo, numa cena de visível sofrimento. Depois, levou seu corpo para fora da mansão, para que não seja consumido pelas chamas.


Depois dessa sequência de tragédias, a reação de Lara foi de profunda raiva. Ela disse a Zip que precisava ir ao México para recuperar o cinturão de Thor, e ele a questionou sobre como ela podia continuar após a morte de Alister. Durante a conversa, Lara mencionou Natla com expressão de nojo e desprezo, e reforçou que precisava encontrar o martelo de Thor para matar a desgraçada. Ela não estava para brincadeira.

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"Se eu pego aquela ordinária, eu desgraço a vida dela", provavelmente pensou Lara.

Quando conseguiu entrar em Avalon, Lara finalmente encontrou sua mãe, ou o que restou dela. Amélia Croft se encontrava em estado de decomposição, e Lara atirou contra ela para derrubá-la no Eitr, um líquido azul mortal que jorra de Jörmundandr, a serpente de Midgard.

Enquanto atirava no zumbi que se tornou sua mãe, Lara evitava olhar para seu corpo atingido pelas balas, e sua expressão era de angústia e pena.

Lara foi forçada a aceitar que sua mãe já estava morta há muito tempo, e então veio à tona o sofrimento pela sua perda. Ela parecia simplesmente desolada.

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Os sentimentos de Lara em Tomb Raider Underworld frequentemente alternaram entre tristeza e profundo ódio. Embora Croft fosse uma pessoa bastante equilibrada, Jacqueline Natla agia de maneira tão debochada que conseguia desestruturar a arqueóloga. Aliás, a petulância de Natla era capaz de irritar até o jogador.

Reação de Lara após Natla confessar, com um sorriso no rosto, que fora ela quem matou Richard Croft, pai da arqueóloga.

Após Croft tentar atacar Natla com o MjölnirDopplegänger surgiu novamente e lhe deu outra surra. Croft ainda tentou contra-atacar, mas foi atingida por um soco na boca do estômago, que a derrubou. Dois a zero para a aberração clonada. Embora Lara tenha sido atacada várias vezes, ela sabia que Doppel não agia por vontade própria, mas era escrava de Natla.

O jogo terminou quando Lara conseguiu acabar com o plano de Natla e escapar do submundo. Lady Croft, então, olhou para trás e se despediu simbolicamente de sua mãe, ainda segurando o desenho que fizera quando criança no dia de seu desaparecimento. Lara caminhava a passos lentos, o que enfatizou o sofrimento de sua perda.

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"Adeus, mãe. Descanse em paz", exprime Lara, com voz suave.

Beneath of Ashes

Na primeira DLC de Tomb Raider Underworld, Lara descobriu a maneira da qual Natla aprisionou a mente de Doppelgänger. O clone de Lara não conseguia agir por vontade própria, pois fora criada por Natla com um tipo de escravidão mental. Lara, então, utilizou as palavras de um artefato místico para reverter o encantamento e tornar Doppelgänger sua própria escrava.

"Agora você tem que fazer o que eu mandar, certo?", Lara disse para seu clone. Ela respondeu que sim.

Com esse poder em mãos, Croft poderia vingar todo o mal que Doppel lhe causou, mas sabia que ela tinha agido sem escolha. Então, utilizou-se do artefato que acabara de adquirir e libertou Doppel de sua escravidão mental. Naquele momento, Doppelgänger se viu dona de suas próprias escolhas, e consciente de que Lara a ajudara. Esta história terminou com uma nobre demonstração de empatia de Lady Croft.

PARTE 7 - UMA NOVA ORIGEM


Tomb Raider (2013)

Em 2013, foi lançado o segundo reboot da franquia. Dessa vez, o principal marketing do jogo era trazer uma Lara completamente humana, numa história de origem. O resultado foi, como se propôs, uma moça jovem e inexperiente, cujas ações fizeram bastante sentido dentro do contexto do jogo. Lara tinha novos amigos e um exagerado senso de responsabilidade. Não era a Lara Croft como a conhecíamos — poderíamos supor que se tornaria? Presenciamos desde Lara matando pela primeira vez, até o clímax de percebê-la berrando em meio ao tiroteio: "É isso mesmo, seus bastardos, ainda estou viva! Vou atrás de todos vocês!". Tomb Raider é um jogo especialmente emocionante.
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Vamos relembrar momentos intensos de Lara: ela levou tombos, foi apunhalada pelas costas, foi presa, frustrou-se, embarcou em viagens inesperadas e difíceis (e quase morreu por isso), por vezes precisou sair correndo para alcançar seus objetivos (mas nem sempre chegava a tempo), ajudou pessoas feridas, surpreendeu-se, matou muito homens friamente, etc. Pensou que eu estava falando do reboot de 2013? Enganou-se! Eu acabei de descrever os perrengues de Lara em Tomb Raider 2 (1997). Peguei você, caro leitor, você caiu direitinho. Mas, claro, o reboot também foi um jogo incrível, e com ele as coisas não foram diferentes: Lara também levou tombos e teve momentos de grande afeto. Ela foi representada como uma personagem humana: no meio de sua aventura, suplicou que estava cansada, e que precisava de um momento para retomar as forças. Ela até chegou aos seus limites, quando a presenciamos mancando escorada em uma parede. Enganei você de novo: estou falando das cenas de Tomb Raider The Last Revelation (1999).

Com essas "pegadinhas", é evidente a reflexão: Lara realmente foi uma personagem muito bem construída no reboot de 2013, mas isso não desumaniza suas versões anteriores — aliás, nesse ponto os jogos mais antigos merecem uma colher de chá pela sua imensa limitação tecnológica. Admitamos que Croft passou por momentos traumatizantes demais na sua história de origem, e isso levou nossa amada arqueóloga aos seus limites, tornando o jogo uma experiência intensa e emocionante do início ao fim. Mas ser humano é característica exclusiva de pessoas traumatizadas? Lady Croft só será humana se for inserida num roteiro de agonia e sofrimento extremos?

Ora, a Lara atual e a clássica são diferentes no seguinte aspecto: uma é bastante experiente, lida bem com tragédias, e a outra não. Mas elas são iguais em outro: ambas erram, se frustram, caem, são rendidas. Evidentemente, uma muito mais que a outra. Ambas também cultivam amizades e se arriscam para protegê-las. Claro que existem diferenças entre "as duas Laras" provenientes da natural reimaginação de um reboot, mas isso será discutido depois.

Ademais, Tomb Raider (2013) tratou-se de uma experiência diferenciada na franquia, justamente pela quantidade de sofrimento que Lara passa devido à trama do jogo. A inexperiente Lara Croft chorou, foi espancada, sofreu tentativas de abuso sexual, viu seus amigos morrerem um a um e chegou a um extremo de desespero. Embora fosse muito diferente da Lara clássica, apresentou algumas nuances de personalidade compatíveis com sua falta de experiência.

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Rise of the Tomb Raider (2015)

Na sequência do reboot, era de se esperar pelo menos um pouco de autoconfiança da Saqueadora de Tumbas. Croft partiu em uma aventura na Sibéria em busca da cidade perdida, disposta a provar para o mundo que seu pai estava certo.


Embora suas motivações não fossem inteiramente suas — mas de seu falecido pai — Lara estava animada, como se espera de alguém que seja louco o suficiente para sair do conforto de uma vida de luxo atrás de qualquer coisa em um local tão ameaçador — e quem não ama as loucuras de Lady Croft? Estávamos presenciando a Saqueadora de Tumbas numa aventura que ela mesmo planejara. Ela queria estar ali, arriscando sua própria vida. A cada precipício perigosamente escalado, seus olhos brilhavam fitando o horizonte, e sua expressão misturava entusiasmo e surpresa, mas também uma certa insegurança — estaria pensando em seu pai, talvez?


Croft começou a demonstrar mais nuances de personalidade. Um pequeno momento de autoconfiança na fase da Síria presenteou o jogador com um ato ousado e astucioso de Lara Croft. Ainda parecia haver alguma insegurança nas suas expressões faciais e corporais, mas tudo bem, a essa altura ainda não podíamos exigir tanto dela. Ela estava tentando.

Lara deu sua cara a tapa, e usou sua inteligência para escapar viva de um grupo de homens altamente armados.

Infelizmente, as sutilezas da personalidade de Lara duraram apenas breves minutos de gameplay. Após seu incidente com a avalanche no início da história, Croft passou a reagir a todos os eventos do restante do jogo precisamente da mesma maneira. Assim:


Não importa se acabou de sobreviver a uma catástrofe, ou se foi surpreendida por um exército, ou se recebeu uma descarga de adrenalina após um emocionante tiroteio, Lara não se empolgava, não se apavorava, não sentia raiva, nem mesmo esboçava firmeza. Ainda que, em poucas ocasiões, ela começasse a engatar alguma empolgação, imediatamente recuava e voltava ao seu estado enfadonho constante. Ela quase nunca se alterava, excetuando-se pouquíssimos momentos em que alguém blasfemava o nome de seu pai.

Darei alguns exemplos das reações de Lady Croft. Esta foi sua expressão após ser agredida e quase morta por um intruso:

"Larga o livro!"

Depois de ser surpreendida por alguém que aponta uma arma para ela:


Ou rendida por uma dezena de homens armados e um helicóptero:


Esta é Lara imediatamente depois de sobreviver a um emocionante desmoronamento de grande escala:


Ou quando foi rendida por nativos de uma aldeia da Sibéria:


Quando presencia os homens da Trindade matando inocentes:


Esta é sua expressão enquanto observa uma guerra acontecendo na sua frente:


Quando rende Ana, traidora de sua família:


Quando presencia um exército de guerreiros atirando flechas contra ela:


Quando vê seu melhor amigo apontando uma arma para seu arqui-inimigo (sim, ela lhe pediu para atirar com essa mesma expressão):


Imediatamente após sobreviver a uma mega-explosão no alto de um templo (estando ainda pendurada em grande altura e rodeada de inimigos):

Até mesmo a intrépida Lara Croft de Tomb Raider Underworld precisou recuperar o fôlego após o ataque do polvo gigante. Entretanto, onde estão as facetas da aventureira em Rise?

Não cabem aqui todas as cenas do jogo, acho que já dei exemplos o suficiente. É bastante irônico que, enquanto a Lara da década de 90 não mudava sua expressão facial por falta de tecnologia, em Rise of the Tomb Raider, ela não mudou... porque a equipe da Crystal Dynamics não quis. Lara não teve picos de emoção. Ela foi séria e constante, ainda que tivesse acabado de sobreviver ao desmoronamento de um prédio inteiro. Nada parecia ser capaz de animá-la um pouco. "Uau, nossa, não acredito que sobrevivi a isso!" — ela nunca disse.

Como estamos falando da humanidade de Lara Croft, convido o leitor a se perguntar: Que tipo de ser humano esboça a mesma reação para absolutamente tudo? Quem é que não sentiria raiva, extrema empolgação e até algumas pitadas de autoconfiança durante os emocionantes eventos de Rise of the Tomb Raider? Como é possível existir alguém como esta Lara, que assassina exércitos a sangue frio, sobrevive a incríveis catástrofes, ao mesmo tempo em que mantém uma expressão de seriedade e tédio?

PARTE 8 - RAÍZES SEM RESSENTIMENTOS


Tomb Raider: A Origem

Em 2018, Lara Croft foi às telonas interpretada pela atriz recém premiada pelo Oscar Alicia Vikander. Tomb Raider A Origem foi inspirado no jogo de 2013, e teve a mesma proposta: apresentar a primeira aventura da jovem e inexperiente Lara Croft. Antes de começar, quero reforçar que esta não é uma análise do filme em si. Não comentarei sobre roteiro, qualidade das cenas, motivação de personagens, etc., mas tão somente sobre a construção da personalidade da protagonista em comparação com as demais versões de Lara Croft dos videogames.

Em plena era reboot, para a surpresa de todos, Vikander encarnou uma Lara mais próxima da arqueóloga clássica da década de noventa, e mais distante da Lara rebootada, em termos de personalidade. Ela ainda estava inexperiente como se esperava de uma história de origem — precisava comer muito feijão para se tornar a saqueadora de tumbas propriamente dita — mas possuía trejeitos de arrogância e sarcasmo. Cuidado com ela: a garota gosta de violência e luta.


Aliás, Lara perdeu feio essa luta, mas mesmo assim não deixou de esnobar a vencedora (sem que ela visse, claro).

"Da próxima vez eu te pego, vou arrebentar você", diz Lara em tom de deboche para a vencedora da luta, que convenientemente estava em outra sala e não pôde ouvir.

Houve uma diferença essencial nesta história de origem para a história do jogo de 2013. A Lara de Vikander pareceu uma reimaginação mais fiel da personagem original da Core Design. reboot, em compensação, exigiu que esquecêssemos características primordiais da Lara Croft original, como sua personalidade naturalmente arrogante e debochada. Se você nunca tivesse conhecido o reboot e tentasse imaginar como seria Lara Croft antes de se tornar a intrépida saqueadora de tumbas, provavelmente pensaria numa moça muito mais próxima de Alícia do que da Lara de 2013.

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A existência do filme Tomb Raider: A Origem foi útil para demonstrar uma realidade óbvia: sarcasmo existe, e não torna ninguém "inumano". A protagonista do jogo de 2013 foi uma personagem bastante humana e bem construída, mas a ausência de uma personalidade debochada não contribuiu em nada para isso. A Lara de Vikander, por exemplo, é inexperiente, inocente, insegura e ao mesmo tempo possui nuances de sarcasmo e arrogância. Ainda não tem aquela personalidade forte, mas dá para imaginar que ela está no caminho.

Em outras palavras, enquanto Alícia pareceu ser uma adaptação da Lara Croft original, a Lara de 2013 pareceu ser simplesmente outra pessoa. É mais difícil imaginar que ela se tornará aquela saqueadora de tumbas, se, inteiramente, falta-lhe aquilo que é o mais elementar na icônica personagem: a essência de sua personalidade.

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Angelina Jolie também conseguiu representar a personalidade forte de Lara Croft nos filmes.

Mas não escrevo isso para desmerecê-la, a menos que você considere um insulto dizer que alguém é diferente da Lara Croft original. Encare como uma simples comparação, que é justamente a proposta deste texto. A Lara de 2013 tem seu valor, e conquistou um determinado público de gamers, mas o distanciamento de sua personalidade em relação à Lara clássica ocorreu não como uma necessidade para torná-la mais "humana", mas por mera vontade da equipe da Crystal DynamicsTomb Raider A Origem está aí para provar isso.


Além da personalidade da Lara original, outros elementos que fazem parte da história de Lady Croft foram, sem ressentimentos, abordados no filme, como sua trança e a aquisição das pistolas duplas. Inclusive, Lara passou bastante tempo dentro da Tumba de Himiko, enfrentando armadilhas e solucionando quebra-cabeças numa atmosfera mais "Tomb Raider" do que o jogo de 2013 inteiro. Embora a biografia clássica de Lara Croft se difira bastante da história do filme, Tomb Raider A Origem foi uma reimaginação que não se acanhou em representar nuances importantes da personagem, ao contrário do jogo de 2013, que escondeu tudo em pequenas cenas opcionais e meros Easter Eggs.

Quem é Lara Croft?

Antes do reboot de 2013, a resposta para essa pergunta era até fácil de ser respondida: Lara Croft não é qualquer pessoa, mas tem características específicas que a definem e que a tornam reconhecível. Quem gosta de Lady Croft não gosta somente pelo nome, mas porque sustenta determinada admiração ou prazer em presenciar as atitudes da personagem tal como ela é. Embora Lara tenha sido reimaginada no reboot de 2006, ainda se podia encontrar nela a essência da personagem original. Ao contrário do que já presenciei alguns "fãs" comentando por aí, essa essência não se resume a uma peça de roupa ou ao par de seios invejáveis de Angelina Jolie — tal comentário apenas demonstra desconhecimento sobre a franquia, e facilmente denuncia "fãs" que nunca jogaram mais que duas fases de qualquer jogo clássico. Todas as nuances da personalidade de Lara Croft, todos os conflitos pessoais que ela vivenciou, suas limitações físicas, seus trejeitos, seus valores morais e sentimentos, toda a riqueza de detalhes da sua história de origem, apresentada tanto nos jogos quanto nos livros canônicos (ou você achava que o reboot era exclusivo em mostrar as origens da personagem?), tornavam Lara Croft uma personagem completa.

Em 2013, a resposta para a pergunta "Quem é Lara Croft?" se perdeu. Lara Croft passou a poder ser qualquer mulher a quem os proprietários dos direitos autorais de Tomb Raider quiserem dar-lhe este nome. Toda aquela personalidade única foi, por algum motivo, veementemente rejeitada. Alguns sustentaram a desculpa de que isso era necessário para tornar a personagem mais "humana" — argumento contestado de todas as maneiras possíveis nesta série. Ironicamente, a mudança radical na personalidade da Croft acabou por torná-la menos humana em Rise of the Tomb Raider: Lara arriscou sua vida para conseguir objetos arqueológicos, mas não pareceu nem um pouco animada com o que fez. Não suspirou, não se surpreendeu, quase não teve nuances de personalidade além de seu estado enfadonho constante (excetuando-se momentos iniciais do jogo, como já foi comentado). Ora, qualquer pessoa disposta a arriscar sua vida para conseguir algo deveria ser, no mínimo, completamente apaixonada pelo que procura; caso contrário, não se submeteria a tamanho risco.

A Lara Croft que eu conhecia era perdidamente apaixonada, e era justamente isso que a tornava humana.



PARTE 9 - A SOMBRA DA SAQUEADORA


Shadow of the Tomb Raider (2018)

Shadow of the Tomb Raider chegou em 2018 para concluir a trilogia reboot, sob a promessa de que Lara se tornaria a Saqueadora de Tumbas - Become the Tomb Raider é a frase de efeito do jogo. A princípio, poderíamos nos perguntar qual Saqueadora de Tumbas ela se tornaria: uma adaptação daquela Tomb Raider que conhecíamos ou uma versão completamente alheia. Se fosse a segunda opção, a promessa seria vazia, pois não daria para saber quem diabos Lara iria se tornar. Simplesmente a transformariam no que bem quisessem e depois chamariam o resultado final de Tomb Raider — era uma hipótese possível, haja vista a maneira da qual Lara foi representada nos jogos anteriores.

Acontece que Lara Croft começou a apresentar algumas atitudes que a distanciaram drasticamente de sua versão em Rise of the Tomb Raider.

Logo no início, ela se viu dentro de um templo em pleno desmoronamento, e precisou ser puxada por Jonah, pois não queria sair de lá.

NÃO! Eu tenho que fotografar isso!

Do lado de fora, ela disse que desejava ainda estar lá fotografando. Lara teve um determinado senso de humor em Shadow of the Tomb Raider, ela parecia animada com sua expedição.


Posteriormente, Croft conseguiu entrar em outro templo maia, e sua expressão foi de empolgação por ter achado um mural antigo. Aliás, a cada descoberta nesta história, ela esboçava entusiasmo. Nesse momento, lembro-me de uma citação do livro Tomb Raider O Culto Perdido, de quando Lady Croft encontrou — leia-se "roubou" — algumas tabuletas do antigo Império Romano: "A maravilha de sua textura alimentou a alma da Saqueadora de Tumbas". É isso que se espera de Lara Croft.


A história de Shadow foi bastante inspirada no quarto jogo da franquia, Tomb Raider The Last Revelation. Lara coletou um artefato que desencadeou uma série de cataclismos, e precisou correr contra o tempo para livrar o mundo da completa destruição. Ela reagiu com culpa após reconhecer seu erro. Essa cena deu uma certa angústia.


Lembremos que em The Last Revelation, Lara também se sentiu culpada. Em Shadow, no entanto, o dramático enredo providenciou uma imediata enchente naquela cidade, forçando Lara a presenciar todos morrerem por causa de sua insensatez.

Arrependimento e angústia.

Aqui, gostaria de observar uma diferença elementar entre esta Lara e a Lara clássica: a maneira com que reage a tragédias, e como lida com suas emoções. A Croft clássica era mais petulante. Embora ela admitisse seus erros, não saía por aí com expressão de pena. Talvez a raiva que ela sentisse de si mesma por ter cometido um grande erro se sobrepusesse ao sentimento de angústia, e seu autocontrole emocional dificilmente a faria gritar e discutir calorosamente (como a Lara "atual" fez com Jonah). Ao contrário, a Lara clássica descarregava suas emoções destruindo coisas, atirando em alvos com tantas armas quanto pudesse segurar ou pulando de um precipício de ponta cabeça. A adrenalina a mantinha alerta e sã.

Em compensação, a Lara de Shadow of the Tomb Raider pareceu mais dramática em suas reações. Quando numa situação de alta carga emocional, a angústia parecia ser maior do que outros sentimentos, embora fosse possível perceber algumas nuances de raiva.

Além disso, a maneira com que a Lara clássica se submetia voluntariamente a riscos tornaram-na uma pessoa que não esboçava medo por qualquer motivo. Ela já estava acostumada, inclusive era apaixonada pelo perigo — os jogos clássicos não eram capazes de inserir tantas sutilezas nas expressões de Lara, justamente pela falta de tecnologia; mas os livros são eficientes em descrever os arrepios que ela sentia quando presenciava determinadas situações. A Lara de Shadow também demonstrou estar no mesmo processo de construção da autoconfiança, como quando ela se viu em meio a jaguares e os olhou com expressão de braveza. Essa nuance da personalidade ocorreu frequentemente no jogo.


Quando fora de perigo, Lara assumia um temperamento meigo e respeitoso. Isso é demonstrado principalmente nos seus diálogos, alguns bastante descontraídos.

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Mas em um determinado momento da história, Croft começou a agir com mais audácia. Ela chegou a tratar seus inimigos com arrogância, e o clímax mostrou a arqueóloga assassinando com legítimo ódio.

"Não ouse", diz Lara, sem paciência, a um homem que a ameaça.


Após o ápice emocional de Lara, vem à tona o sentimento de culpa por ter submetido seu amigo Jonah a tamanho risco. Lara provavelmente achou que ele estivesse morto, e quando Jonah reaparece ela sente vergonha de si mesma — tanto que evita olhar para ele. Essas emoções, na verdade, fazem parte do principal conflito pessoal da personagem: durante o jogo ela frequentemente se questiona se está fazendo a coisa certa, e se vale a pena colocar tantas pessoas em risco. Como se não bastasse esse sofrimento, Lara ainda demonstra não ter superado totalmente a morte dos pais.


O conflito é resolvido ao final do jogo, quando Lara, através do poder da antiga adaga Maia, se despede simbolicamente dos seus pais e aceita o seu destino como ele é. É impossível assistir à cena da despedida sem sentir um "quentinho" no coração. A Saqueadora de Tumbas recordou doces memórias de sua infância e se viu diante daquilo que mais sonhava: viver com seus pais. Mas aceitou que a vida nem sempre é o que desejamos. Uma lição e tanto.



Shadow of the Tomb Raider é o jogo em que Lara possui mais nuances de personalidade dentro desta trilogia. Os sentimentos variaram entre alegria, empolgação, culpa, ódio, profundo afeto, vergonha, tristeza, cumplicidade, autoconfiança e compaixão. As sutilezas nas suas expressões e sentimentos, proporcionadas tanto pela trama quanto pela tecnologia, tornam a Lara de Shadow uma personagem completa, profunda e bastante consistente.

Expansões do jogo

Numa época em que as empresas de games superfaturam na base de DLC's, foram lançadas sete para Shadow of the Tomb Raider. Naturalmente, as histórias das DLC's são os momentos em que Lara está mais "evoluída" desde o jogo de 2013, e é nelas que boa parte do Become the Tomb Raider acontece  era de se esperar que acontecesse majoritariamente na campanha principal, mas as DLC's foram mais eficientes na representação de Lara como a Tomb Raider que ela estava destinada a ser. Após todas as lições aprendidas durante a trilogia, Lara assume uma postura mais audaciosa, que é demonstrada nas suas atitudes, como também nas suas expressões faciais e corporais. A última DLC termina com Lara apresentando um trejeito bastante reconhecível pelos fãs de longa data da arqueóloga:

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Ainda faltava bastante para se tornar aquela Saqueadora de Tumbas, mas reconheçamos que o Become the Tomb Raider não foi uma promessa totalmente vazia, afinal.

PARTE 10 - REALISMOS E COERÊNCIAS


Vamos falar do realismo dos jogos. A princípio, não acharia necessário abordar este assunto. Entretanto, recordei-me dos inúmeros comentários de fãs que associam o conceito de uma "Lara mais humana" à ideia de uma Lara "realista e coerente". Por isso, considerei o tema pertinente nesta série sobre a humanidade de Lara Croft, e decidi dedicar-lhe um capítulo.

Inicialmente, podemos avaliar o realismo de um jogo em relação aos seus gráficos. Mas não falarei sobre isso, pois é óbvio que, quanto mais recente um jogo, melhores os gráficos, e o assunto estaria encerrado. Discutirei outros aspectos realísticos de Tomb Raider.

"Essa nova Lara é uma personagem mais prática, uma personagem mais real" - Camilla Luddington

Este comentário surgiu no contexto do marketing de Rise of the Tomb Raider, quando a dubladora de Lara Croft, Camilla Luddington, reforçava que sua personagem tinha proporções corporais mais realistas, bem como roupas mais adequadas para suas aventuras.

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Camilla Luddington é a voz de Lara em Tomb Raider (2013), Rise of the Tomb Raider e Shadow of the Tomb Raider. Também executou a captura de movimentos da personagem.

Camilla estava certa, mas sua declaração se referia exclusivamente a um único elemento dos games: o modelo tridimensional de Lara, que tornou a personagem mais prática no reboot. Mas e quanto aos outros elementos dos jogos? A Lara de Camilla é "mais prática" e "mais real" em tudo? Ora, a avaliação da personagem como um todo não se limita à discussão sobre peças de roupa e dotes físicos.

Já que Camilla tocou no assunto, vamos, então, fazer uma brincadeira, uma análise da franquia em relação à quantidade de realismo e coerência da própria Lady Croft. (Lembrando que o realismo não tem necessariamente uma relação com a qualidade do jogo, e nem com a diversão que ele proporciona, então fique tranquilo!)

1. Roupas adequadas

Na disputa pelo realismo das roupas, Tomb Raider (2013) e Rise of the Tomb Raider ganham dos demais jogos, pois Lara está protegida contra arranhões através do uso exclusivo de calças, embora haja alguns absurdos, como o uso de um crânio de animal encaixado na cabeça cobrindo parte da visão. Shadow of the Tomb Raider eventualmente peca no vestuário, pois contém pesados trajes tribais, alguns com chinelos de dedo, saias que limitam o movimento e objetos inúteis pendurados, como ossos, cordas, pedaços de pau, etc., que absolutamente ninguém escolheria para fazer parkour. Em último lugar, fica Tomb Raider Legend, por apresentar as roupas mais curtas e desprotegidas de Lara.

Alguns trajes de Lara em Rise of the Tomb Raider

Curiosidade: nos jogos da Core design (TR1 a TR6), exatamente metade dos trajes de Lara apresentam a personagem de shorts ou outras roupas que mostram suas pernas. Não há biquínis nesses jogos.

2. Resistência a quedas

No quesito "resistência a quedas", Tomb Raider Underworld é, de longe, o mais realista: qualquer "alturinha" é suficiente para machucar ou matar a pobre coitada da Lara no impacto com o chão. Os menos realistas são os jogos da trilogia reboot, seguido dos jogos clássicos (TR1 a TR5). A sensação de que você precisa proteger a Lara contra alturas se perdeu desde o jogo de 2013. Dá para jogar a arqueóloga de exagerados barrancos tranquilamente, despreocupado com as consequências físicas da queda.

3. Armamento adequado

No quesito "armamento adequado", todos os jogos são relativamente coerentes, exceto Rise of the Tomb Raider Shadow of the Tomb Raider, pelo fato de Lara utilizar armas primitivas como granadas improvisadas e arco-e-flecha. Lara sabia que teria que enfrentar os homens armados da Trindade, mas mesmo assim escolhe sair de casa com um arco-e-flecha de madeira. A aquisição da arma como marca da personagem vai totalmente na contramão da proposta de realismo reforçada por Camilla Luddington, pois enfrentar um exército utilizando arco-e-flecha não tem o menor sentido lógico, além do fato de arma ser grande e "desengonçada" demais para as atividades de escalada da arqueóloga. Evidentemente, no jogo de 2013, armamentos improvisados foram justificados, uma vez que Lara não tinha outros recursos disponíveis.

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4. Resistência física de Lara
No quesito "cenas absurdas", Tomb Raider (2013) perde para os demais. Lara sobrevive a eventos catastróficos exageradamente mentirosos, muito mais do que nos outros jogos. Nenhuma personagem da ficção tem mais sorte que ela: a todo momento elementos do cenário, como cordas, plataformas e lagos surgem convenientemente para livrá-la da fatalidade. A Lara do jogo de 2013 é a mais "estatisticamente improvável", e sua resistência física é a mais surreal da franquia.



5. A física dos pulos

Nos jogos da Core Design (Tomb Raider 1 até angel of darkness), a distância que Lara alcança com um salto depende de quanto impulso ela dá. Se Croft tomar distância, correr e saltar, ela chega mais longe. Entretanto, na trilogia "LAU" (Legend, Anniversary e Underworld), Lara sempre pula com força total, não importa se tomou impulso ou se partiu do completo repouso. A trilogia reboot também contém essa incoerência, mas com um agravante: a jogabilidade eventualmente inclui "forças mágicas" que empurram Lara em pleno ar para que o salto seja bem-sucedido. Nem tudo evolui com o tempo, afinal.

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Lara correndo o mais rápido possível para saltar mais longe. Jogo: Tomb Raider the angel of darkness.

Em contrapartida, nos jogos clássicos, Lara pula alto demais para um ser humano normal, mas isso foi "melhorado" na trilogia LAU, e mantido na trilogia reboot. Entretanto, no reboot há a incoerência de que Lara consegue mudar drasticamente sua direção em pleno ar. Mais uma vez, nem tudo evolui com o tempo.

6. Equipamentos adequados

Lara costuma utilizar luvas que a ajudam a escalar nos jogos até Tomb Raider Underworld, e adquiriu convenientes machados de escalada a partir de 2013. Entretanto, os recursos de Lara em Rise e Shadow são bastante rudimentares, mesmo que a arqueóloga tenha a opção de adquirir equipamentos modernos. Lara parece mais uma aventureira do Discovery Channel que se mete numa selva propositalmente sem recursos, somente para mostrar que sabe sobreviver comendo frutas, usando remédios naturais e equipamentos improvisados. A cada jogo, Lara precisa reaprender o que já aprendeu no jogo anterior. Talvez esta seja a incoerência mais marcante da trilogia reboot.

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Por que usar uma corda amarrada manualmente a uma flecha artesanal improvisada, quando se pode ter um equipamento mais moderno?

7. O inventário de Lara Croft

Lara sempre carregou mais objetos do que cabiam em sua mochila. Inclusive armas. No entanto, Tomb Raider Legend Tomb Raider Underworld têm um detalhe que os tornam mais coerentes que os outros: Lady Croft apenas consegue carregar uma pistola em cada coldre e mais uma arma nas costas. Nos outros jogos, Lara tem "bolsas mágicas" que permitem que leve uma quantidade exagerada de armas de grande porte. Outro detalhe é que a maioria dos jogos traz as pistolas com munição infinita — o que não é nada realista — com exceção dos jogos da trilogia reboot e de Tomb Raider angel of darkness.

8. A força de Lara Croft

Lara arrasta blocos de pedra gigantescos nos três primeiros jogos da franquia. Mas a partir de Tomb Raider The Last Revelation, a força da arqueóloga é mais realista, pois os objetos interativos têm tamanho razoável.

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Cena do primeiro Tomb Raider, de 1996.

Na trilogia reboot, entretanto, a força de Lara volta a atingir patamares descomunais, pois a aventureira destrói grandes barreiras de madeira com o vigor de seus braços. Inclusive, Croft consegue arrebentar estruturas de concreto e aço com as próprias mãos, através do uso fisicamente impossível de um aparelho de tração. Lara também puxa outros objetos estupidamente pesados com este aparelho.

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Ao usar o equipamento, Lara deveria ser arremessada para frente, e não destruir a robusta estrutura de concreto e aço. 

9. Um detalhe especial

Lara está mais musculosa em Tomb Raider Underworld e em Shadow of the Tomb Raider, ao contrário de todos os outros jogos, que a representaram como a garota "forte, porém franzina". Lara Croft é forte e treina bastante, então tem que ter massa muscular!

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Músculos! Chupa, sociedade.

Comentários gerais

Não dá para falar de todos os detalhes. Se fosse avaliar os jogos em tudo, todos seriam eminentemente "reprovados". Mas para que servem todas essas comparações sobre realismo? Para absolutamente nada. São inúteis tanto quanto o comentário de Camilla Luddington. Às vezes, os elementos irrealistas dos jogos são justamente o que os torna mais divertidos e até autênticos, e nossa suspensão de descrença aceita sem problemas.

Se você tem presença constante no fandom, pode ter percebido que os jogos da trilogia reboot já foram bastante associados a obras mais "realistas" e "coerentes", em comparação aos seus anteriores. Mas esta não é a conclusão deste texto — observe que o reboot "perdeu" na maioria dos aspectos de realismo avaliados (e é claro isso não significa nada na quantidade de diversão). Ora, se você somente avaliava os jogos por meio dos gráficos e de peças de roupa, então este texto foi de alguma utilidade, afinal de contas.

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Muito obrigado por ter acompanhado esta série. Fique à vontade para comentar, dar sua opinião e fazer críticas construtivas. Lembremo-nos de que o respeito pelo próximo deve estar acima de meros jogos de videogames.

Um grande abraço a todos os fãs, independentemente da Era! 
Matheus Philippe e Anderson Grima

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